Estudo aponta que aumento de benefícios tarifários pode comprometer os ganhos de eficiência da abertura total do mercado de energia prevista para 2028
A reforma do setor elétrico brasileiro, atualmente em debate no governo federal, é vista como uma oportunidade histórica para modernizar o mercado de energia, reduzir custos e permitir que todos os consumidores, incluindo residenciais, escolham livremente seus fornecedores a partir de 2028. No entanto, uma análise divulgada pelo Centro de Liderança Pública (CLP) faz um alerta contundente: o avanço simultâneo da abertura de mercado e da ampliação de subsídios tarifários pode comprometer a eficiência, distorcer preços e perpetuar o problema da energia cara no Brasil — mesmo em um país com abundância de recursos naturais.
De acordo com o estudo assinado por Daniel Duque, gerente de Inteligência Técnica do CLP, a abertura do mercado segue uma tendência observada nas principais economias do mundo, como Estados Unidos e países da União Europeia, que conseguiram reduzir custos e estimular inovação a partir da livre concorrência. Entretanto, o relatório também chama a atenção para exemplos em que os benefícios foram anulados por políticas de subsídios mal calibradas, como ocorreu na Espanha.
Abertura do mercado e os riscos dos subsídios ampliados
O modelo de reforma proposto prevê a universalização do Ambiente de Contratação Livre (ACL). Atualmente acessível apenas a grandes consumidores, como indústrias e grandes comércios, o ACL permitirá que, até 2028, todos os consumidores brasileiros, inclusive residenciais, possam escolher seu fornecedor de energia elétrica — uma mudança estrutural sem precedentes no país.
Por outro lado, a proposta em debate inclui a ampliação de subsídios tarifários, como a gratuidade de até 80 kWh para famílias de baixa renda e descontos que podem chegar a 120 kWh mensais para beneficiários do Cadastro Único (CadÚnico). A medida, embora socialmente relevante, levanta preocupações sobre sua sustentabilidade financeira e os impactos sobre a tarifa dos demais consumidores.
“O risco é que um benefício tão amplo, atingindo mais da metade da população, perca foco, gere distorções no sinal de preços e onere desproporcionalmente os consumidores não subsidiados ou o próprio Tesouro Nacional”, afirma Duque.
Atualmente, os encargos e subsídios já representam mais de 40% da conta de luz dos brasileiros. A manutenção ou ampliação desse modelo, segundo o CLP, pode reduzir sensivelmente os ganhos esperados com a abertura do mercado.
Planejamento setorial fragmentado preocupa
O estudo também aponta riscos no alinhamento da reforma do setor elétrico com o Plano Nacional de Transição Energética (PNTE), que prevê investimentos da ordem de R$ 2 trilhões. Embora o PNTE tenha potencial para acelerar a descarbonização e atrair investimentos, o CLP alerta que o excesso de subpolíticas — atualmente mais de 30 programas distintos — sem critérios claros de custo-efetividade, compromete a racionalização do setor.
“Se não houver uma definição clara de prioridades e critérios de alocação eficiente de recursos, os programas vão competir entre si por financiamento subsidiado, linhas de crédito ou acesso à rede. Isso fragmenta o planejamento e mina justamente o sinal de preço que a reforma busca estabelecer”, explica Duque.
Eficiência versus interesses de curto prazo
Na avaliação do CLP, a reforma representa uma janela de oportunidade única para o Brasil alinhar desenvolvimento econômico, redução de custos e transição energética. Contudo, o sucesso dependerá de decisões regulatórias firmes, da disposição política para enfrentar pressões setoriais e da adoção de uma governança transparente e tecnicamente orientada.
“O Brasil precisa decidir se quer um mercado de energia competitivo, capaz de atrair investimentos, inovar e liderar a transição energética, ou se continuará prisioneiro do modelo atual, no qual a energia permanece cara, apesar da abundância de recursos naturais”, resume Duque.
Conclusão: o futuro em jogo
A escolha que se impõe ao Brasil não é trivial. O equilíbrio entre eficiência econômica e justiça social no setor elétrico exige soluções inteligentes, como a adoção de subsídios focalizados, financiamento extratarifário para políticas sociais e uma transição bem planejada para o mercado livre.
Caso contrário, o país corre o risco de perpetuar o paradoxo que há décadas penaliza consumidores e empresas: pagar caro por uma energia que deveria ser acessível e abundante.