Relatório da IEA mapeia potencial global do biogás, que pode suprir até um quarto da demanda mundial de gás natural; tecnologias maduras e benefícios socioeconômicos impulsionam o avanço, mas barreiras regulatórias e econômicas ainda limitam expansão
O biogás e o biometano, combustíveis renováveis produzidos a partir de resíduos orgânicos, ganham destaque crescente nas discussões sobre segurança energética, competitividade econômica e redução de emissões globais. De acordo com o novo relatório especial “Perspectivas para Biogases e Biometano”, publicado pela Agência Internacional de Energia (IEA), há um potencial inexplorado que poderia suprir até 25% da atual demanda global de gás natural, representando uma oportunidade estratégica para a transição energética e o desenvolvimento local.
A análise geoespacial inédita realizada pela IEA avaliou mais de 5 milhões de locais no mundo, revelando que a produção sustentável de biogás poderia alcançar quase 1 trilhão de metros cúbicos por ano. Esse volume seria obtido a partir de resíduos e rejeitos não concorrentes com a produção de alimentos, utilizando tecnologias já disponíveis no mercado.
“O biogás e o biometano podem desempenhar um papel muito mais relevante no sistema energético mundial, especialmente em um momento em que a segurança energética e a produção local são prioridades para muitos governos”, destacou Fatih Birol, Diretor Executivo da IEA, durante o lançamento do relatório. O estudo indica que cerca de 80% da matéria-prima potencial para a produção sustentável de biogás encontra-se em economias emergentes e em desenvolvimento, reforçando o caráter descentralizado e inclusivo dessa solução energética.
Benefícios econômicos, sociais e ambientais
As tecnologias para a produção de biogás são maduras e bem conhecidas, o que proporciona segurança operacional e reduz riscos para investidores e operadores. Além disso, por serem produzidos próximos aos locais de consumo, biogás e biometano minimizam a dependência de importações, fortalecem a segurança energética e dinamizam as economias locais.
Outro aspecto relevante está na geração de emprego e renda, principalmente em comunidades rurais, onde há maior disponibilidade de resíduos agrícolas e orgânicos. O biogás, ao ser convertido em calor ou eletricidade, atende demandas térmicas industriais e residenciais. O biometano, por sua vez, é um substituto direto do gás natural, podendo ser injetado na infraestrutura existente sem necessidade de adaptações significativas.
Ainda sob a ótica ambiental, destaca-se o potencial do biogás para mitigar emissões de metano – um gás de efeito estufa até 80 vezes mais potente que o dióxido de carbono (CO₂) no curto prazo. Além disso, a digestão anaeróbica gera subprodutos que podem ser utilizados como fertilizantes sustentáveis, reduzindo o uso de insumos químicos e promovendo a economia circular no setor agroindustrial.
Um mercado promissor, mas ainda pouco explorado
Apesar das vantagens, o biogás ainda responde por menos de 5% do seu potencial técnico global. A IEA identificou mais de 50 novas políticas de apoio aos biogases desde 2020, evidenciando o avanço das discussões regulatórias, mas apontou que diversos entraves limitam a expansão do setor.
Em média, o desenvolvimento de projetos pode levar entre dois e cinco anos, podendo chegar a sete anos apenas para a obtenção de licenças e aprovações regulatórias. Além disso, embora as tecnologias sejam conhecidas, os custos de produção do biometano permanecem superiores aos do gás natural em muitos mercados, o que dificulta sua competitividade sem políticas de apoio ou mecanismos de precificação de carbono.
De acordo com o relatório, a produção global de biometano poderia ser multiplicada por cinco, alcançando custos equivalentes ou inferiores aos preços atuais do gás natural no atacado. Esse ganho de competitividade depende, principalmente, do reconhecimento dos múltiplos benefícios associados à sua produção, como a redução das emissões, a segurança do abastecimento e o desenvolvimento socioeconômico.
O papel da política e da regulação
A IEA reforça que a superação das barreiras ao avanço do biogás passa pela definição de políticas públicas claras e estáveis, além de instrumentos que reconheçam os co-benefícios ambientais e sociais da tecnologia. Medidas como incentivos fiscais, financiamentos direcionados, criação de mercados regulados para créditos de carbono e simplificação dos processos de licenciamento são apontadas como essenciais para fomentar a cadeia produtiva.
“Nosso relatório destaca as ações adicionais que podem permitir que os formuladores de políticas façam pleno uso deste valioso recurso energético”, enfatizou Fatih Birol.
Além do relatório técnico, a IEA lançou uma ferramenta interativa de mapeamento, que permite visualizar o potencial global dos biogases, bem como fichas técnicas detalhadas sobre as principais matérias-primas disponíveis por região.
Biogás no centro da transição energética
O avanço do biogás e do biometano insere-se em um contexto mais amplo de transformação do setor energético, com crescente valorização de soluções descentralizadas, renováveis e sustentáveis. O relatório da IEA sinaliza que, se adequadamente impulsionado, o biogás poderá contribuir de forma decisiva para o equilíbrio entre segurança energética, competitividade e mitigação das mudanças climáticas, especialmente em países em desenvolvimento.
A materialização desse potencial exigirá, contudo, esforços coordenados entre governos, setor privado e sociedade civil, em uma agenda que integre inovação tecnológica, regulação eficiente e financiamento climático.