Manifestação de indígenas e ativistas em Bonn denuncia expansão da exploração de petróleo na Margem Equatorial e cobra coerência climática do governo brasileiro
Enquanto o Brasil se prepara para sediar a COP30, no coração da Amazônia, o país se vê no centro de uma grande controvérsia climática. Durante as negociações da ONU em Bonn, ativistas climáticos e lideranças indígenas realizaram um protesto contundente, denunciando a realização do 5º Ciclo da Oferta Permanente, um megaleilão de petróleo e gás promovido pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).
O protesto aconteceu simultaneamente à participação da delegação brasileira, que busca projetar uma imagem de liderança climática global. Com faixas que estampavam mensagens como “Chega de Combustíveis Fósseis”, “Liderança Climática Não Se Faz com Petróleo” e “Nosso Futuro Não Está à Venda”, os manifestantes deixaram claro que o discurso ambiental do Brasil está em franca contradição com sua política energética.
A manifestação contou ainda com uma cerimônia conduzida pelo Cacique Ninawá Inu Huni Kui, representando os povos indígenas da Amazônia, que exigem respeito aos seus territórios e às futuras gerações.
Leilão de petróleo na Amazônia: risco climático e social
No centro das críticas está o leilão que inclui blocos exploratórios na Margem Equatorial, uma das áreas mais biodiversas e sensíveis da Amazônia. Caso sejam efetivamente explorados, esses blocos podem gerar até 11,1 bilhões de toneladas de CO₂e – volume superior às emissões do agronegócio brasileiro em seis anos e equivalente a cerca de 5% do orçamento global de carbono para limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C.
Especialistas, organizações ambientais e o Ministério Público Federal do Pará alertam que esse megaleilão ameaça não só o equilíbrio climático, mas também o modo de vida de centenas de comunidades tradicionais e povos indígenas da região.
Os dados são alarmantes. Só os 47 blocos localizados na Foz do Amazonas representam potenciais emissões de 4,7 bilhões de toneladas de CO₂e.
Indígenas rejeitam exploração e exigem respeito à consulta prévia
A resistência cresce. Mais de 60 caciques indígenas do Oiapoque se posicionaram publicamente contra a exploração de petróleo em seus territórios, denunciando a violação da Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI), um direito assegurado pela Convenção 169 da OIT e pela Constituição Federal.
Lideranças indígenas e pan-amazônicas de nove países e de todos os biomas brasileiros divulgaram uma declaração política exigindo o fim da exploração de combustíveis fósseis na região.
O cacique Ninawá Huni Kui foi enfático. “O Brasil não pode fazer da COP30 um palco de marketing climático enquanto aprofunda um modelo extrativista que destrói nossas terras e ameaça o equilíbrio do planeta. Não há futuro com novo petróleo. A transição energética não pode ser uma contradição energética.”
Governo e Petrobras sob críticas intensas
As declarações recentes da presidente da Petrobras, Magda Chambriard, que adotou o bordão “perfura, baby, perfura”, e as falas do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, além do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acenderam o alerta entre ambientalistas e movimentos sociais.
Segundo Claudio Angelo, do Observatório do Clima.“O presidente Lula precisa entender que seu verdadeiro legado não serão poços de petróleo, mas a capacidade de colocar o Brasil na liderança da única agenda global onde somos, de fato, protagonistas: a ambiental.”
A crítica central reside na incompatibilidade entre o discurso internacional do governo e sua prática interna, que ainda prioriza a expansão de combustíveis fósseis.
Transição energética? Dados mostram contradição
Dados do Instituto ClimaInfo revelam que, nos últimos sete anos, apenas 0,06% da arrecadação com petróleo e gás foi destinada a projetos de transição energética no Brasil. A maior parte dos recursos permanece alocada no próprio setor fóssil, revelando um vazio estrutural nas políticas de descarbonização do país.
Ilan Zugman, diretor da 350.org para América Latina e Caribe, afirmou. “Não é possível liderar no clima enquanto se alimenta a crise. Expandir a exploração na Amazônia é trair não só os compromissos climáticos, mas também os direitos dos povos que protegem esses territórios há milênios.”
O recado é claro: não há liderança climática com expansão fóssil
A poucos meses da COP30, que será realizada em Belém (PA), cresce a pressão para que o governo apresente um plano real, transparente e ambicioso de transição energética, livre de combustíveis fósseis, com financiamento robusto e protagonismo dos povos indígenas e comunidades tradicionais.
A manifestação em Bonn não é um episódio isolado, mas parte de uma mobilização global que exige coerência entre discurso e prática. O Brasil, que tem potencial para liderar a transição energética mundial, corre o risco de comprometer sua credibilidade internacional caso mantenha a aposta em uma matriz energética baseada no petróleo.
O mundo observa. E os povos da Amazônia, mais uma vez, estão na linha de frente, lembrando que não existe futuro climático sem justiça social, sem respeito às florestas e sem abandonar, de forma definitiva, os combustíveis fósseis.