Apesar de investimentos robustos em energia limpa, 44% dos líderes do setor preveem emissões líquidas zero apenas após 2070, revela pesquisa global da Bain & Company
Em meio a investimentos recordes e avanços tecnológicos, a confiança dos líderes do setor energético no cumprimento das metas de emissões líquidas zero até 2050 diminuiu de forma expressiva. É o que aponta uma pesquisa recente da Bain & Company com mais de 700 executivos globais dos setores de energia, recursos naturais, mineração, agronegócio e indústria pesada.
De acordo com o levantamento, 44% dos executivos acreditam que a meta de emissões líquidas zero será alcançada apenas em 2070 ou além, enquanto somente 32% mantêm a expectativa de que o mundo conseguirá cumprir essa meta até 2050. Os dados representam uma inversão preocupante em relação à percepção registrada em 2024, quando metade dos entrevistados acreditava ser possível atingir o net zero dentro deste prazo.
Esse cenário acende um alerta sobre os desafios da descarbonização, especialmente em um contexto de pressão financeira, aumento dos custos de capital e dificuldade na formação de cadeias econômicas sustentáveis. “A transição energética é um desafio duplo: atender à crescente demanda por energia, impulsionada pela digitalização e pela inteligência artificial, enquanto se avança na redução de emissões, explica Rodrigo Más, sócio da Bain & Company e líder das práticas de Industrials e Utilities na América do Sul.
Fatores que travam a descarbonização
O levantamento mostra que, embora as empresas estejam comprometidas com a transição energética, o caminho para a neutralidade de carbono está mais complexo do que se previa. As principais barreiras apontadas pelos executivos são:
- Baixa disposição dos clientes para pagar mais por soluções sustentáveis;
- Falta de políticas públicas estáveis, seguras e com incentivos adequados;
- Limitações de capital e pressão sobre os balanços financeiros;
- Aumento expressivo nos custos dos projetos, sendo que 75% das empresas relataram elevação de pelo menos 5%, e 10% apontaram aumentos acima de 20%.
Esse conjunto de desafios obriga as empresas a priorizar projetos com melhor retorno financeiro, mesmo que isso signifique retardar investimentos mais robustos em descarbonização.

IA e data centers: a nova fronteira da demanda energética
Se a transição energética enfrenta entraves, um novo vetor de pressão se impõe: a demanda crescente por energia, impulsionada pela expansão da inteligência artificial (IA) e dos data centers.
Segundo projeções da Bain, o consumo anual de energia dos data centers no mundo pode mais que dobrar até 2027, representando 2,6% do consumo global de eletricidade. Isso exigirá mais de US$ 2 trilhões em investimentos no setor energético nos próximos anos.
A pesquisa também revela que 43% dos executivos do setor reconhecem que atender à demanda energética gerada por IA será um dos maiores desafios na próxima década. Isso obriga as companhias a reverem seus portfólios de geração e acelerar a diversificação de matrizes.
Caminhos para sustentar o crescimento
Para atender tanto à pressão da descarbonização quanto à explosão do consumo energético digital, as empresas estão adotando uma estratégia mista, que inclui:
- Ampliação de projetos de geração renovável (solar, eólica e hidrogênio verde);
- Prolongamento da vida útil de ativos existentes, especialmente térmicas e hidrelétricas;
- Expansão da capacidade térmica, especialmente com gás natural, visto como fonte de transição;
- Na América do Norte, 34% dos executivos apontam um crescimento dos investimentos em energia nuclear.
Ao mesmo tempo, cresce o protagonismo da tecnologia. Quase 50% dos entrevistados pretendem acelerar a adoção de soluções digitais, incluindo IA, para aumentar a eficiência operacional, reduzir custos e otimizar projetos de infraestrutura. 72% dos executivos acreditam que a IA terá papel fundamental no setor energético nos próximos 5 a 10 anos.
O dilema da transição
A pesquisa da Bain evidencia um dilema cada vez mais presente no setor: como equilibrar a urgência climática com a segurança energética e a sustentabilidade financeira? Embora os compromissos com a transição energética permaneçam, os prazos estão sendo estendidos e a cautela passou a guiar as decisões.
A mensagem do mercado é clara: sem políticas públicas robustas, incentivos claros e consumidores dispostos a financiar parte dessa transformação, a jornada rumo ao net zero será mais longa, mais cara e mais complexa.