Parceria inédita vai criar metodologia nacional para formação de empreendedores e desenvolvimento de hard techs no setor de energia, óleo e gás, com foco na inovação, sustentabilidade e geração de conteúdo local
O setor energético brasileiro dá mais um passo decisivo rumo à inovação e à sustentabilidade. A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Petrobras anunciaram nesta quarta-feira (27) um acordo inédito de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) voltado para a criação e o fortalecimento de startups de alta tecnologia — as chamadas hard techs — no setor de energia, óleo e gás.
O projeto, denominado Enfuse (Entrepreneurship for Future and Sustainable Energy), terá duração de três anos e representa uma iniciativa pioneira no país. Seu objetivo principal é desenvolver metodologias replicáveis para a formação de empreendedores e gestores de inovação, capazes de gerar soluções tecnológicas para os desafios do setor energético brasileiro, contribuindo, inclusive, para a transição energética.
O acordo foi celebrado em cerimônia realizada em Campinas (SP), com a presença de autoridades acadêmicas, representantes da Petrobras e gestores públicos. Participaram do evento Paulo César Montagner, reitor da Unicamp; Adriana Flosi, Secretária de Desenvolvimento Econômico de Campinas; Jullio Cesar Leite, gerente geral de gestão da inovação na Petrobras; além de pesquisadores e líderes da própria Unicamp, como Marcelo Souza de Castro, diretor do Centro de Estudos de Energia e Petróleo (CEPETRO) e coordenador do projeto.
Uma ponte entre a pesquisa acadêmica e a indústria de energia
De acordo com Marcelo Souza de Castro, o maior desafio do projeto é transformar pesquisas acadêmicas de ponta em soluções práticas e comercializáveis. “Se a metodologia se provar eficaz, ela poderá ser adotada em todo o país, posicionando o Brasil como referência no desenvolvimento de empresas de base tecnológica voltadas para energia e sustentabilidade”, afirma o coordenador do projeto.
O projeto será conduzido por uma ampla frente dentro da Unicamp, envolvendo o CEPETRO, a Agência de Inovação (Inova Unicamp), o Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências e a Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (FUNCAMP).
A proposta foi selecionada na chamada pública 1746/2024 da Petrobras, que busca incentivar projetos que fortaleçam a cadeia produtiva nacional, promovendo inovação, sustentabilidade e geração de conteúdo local.
Superando o paradoxo da inovação energética no Brasil
Atualmente, embora o Brasil seja um dos países que mais investem em pesquisa no setor de energia, a taxa de transformação desse conhecimento em startups é considerada baixa. Segundo estudo da Emerge, das 870 deep techs mapeadas no Brasil, apenas 5% atuam diretamente com energia — a maioria se concentra nos setores de saúde e agronegócio.
“Existe um claro paradoxo: muito investimento em pesquisa, mas pouca geração de startups de base tecnológica para o setor energético. Esse é justamente o gargalo que queremos enfrentar com esse projeto”, destaca Ruy Quadros, professor titular do Instituto de Geociências da Unicamp, responsável pelo diagnóstico dos ecossistemas de inovação dentro do Enfuse.
Modelo escalável e replicável para o setor energético
O programa não se limita à criação de startups. Ele também visa a formação de profissionais altamente qualificados, capazes de liderar negócios inovadores no segmento energético. Parte da estratégia envolve integrar o ensino de empreendedorismo e gestão da inovação nos cursos de graduação e pós-graduação da Unicamp.
A Agência de Inovação Inova Unicamp será responsável pela fase de incubação das startups. Segundo Renato Lopes, diretor-executivo da Inova, o histórico da universidade na formação de empresas é robusto: a taxa de sobrevivência das startups graduadas pela Incamp supera 61,9%, e, no caso específico das deep techs, esse número sobe para 77,4%. Para comparação, a média nacional é de apenas 25%, segundo a Fundação Dom Cabral.
“Nosso desafio é otimizar essa metodologia, tornando-a escalável, sustentável e replicável em outros polos do Brasil, especialmente em regiões com forte presença da cadeia de energia, óleo e gás”, reforça Lopes.
Fases do projeto e impacto esperado
O Enfuse prevê, em sua primeira etapa, a seleção de 50 participantes, incluindo alunos de graduação, pós-graduação e empreendedores de diferentes regiões do Brasil. Eles serão distribuídos em grupos e submetidos a diferentes abordagens de capacitação, com foco na geração de modelos de negócios inovadores para o setor energético.
O projeto também inclui missões técnicas internacionais, com visitas a ecossistemas de inovação nos Estados Unidos, China, Noruega e outros países. O objetivo é mapear boas práticas e, ao mesmo tempo, entender as barreiras que o Brasil precisa superar para fomentar um ambiente mais favorável à inovação tecnológica.
“Com uma análise comparativa dos ecossistemas internacionais e nacionais, podemos também propor ajustes nas políticas públicas e na legislação, facilitando o desenvolvimento de startups de energia no Brasil”, explica Ana Frattini, pró-reitora de Pesquisa da Unicamp.
Contribuição para a transição energética e o conteúdo local
Além de impulsionar o empreendedorismo tecnológico, o projeto está alinhado com os objetivos da transição energética. A proposta fortalece a cadeia nacional de fornecedores e atende às diretrizes da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para a promoção do conteúdo local, essencial para a soberania energética do país.
Ao final dos três anos, a expectativa é que o projeto entregue uma metodologia validada, capaz de ser aplicada em outras universidades, centros de pesquisa e parques tecnológicos no Brasil. Também será produzido um diagnóstico detalhado do ecossistema de inovação brasileiro no setor energético.
Mais do que formar empresas, o Enfuse pretende ser um vetor estratégico para a transição energética no país, combinando ciência, tecnologia e empreendedorismo com foco na sustentabilidade e na competitividade do Brasil no cenário global.