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Trump, tarifas e a nova era da incerteza

Por Fernanda Brandão, coordenadora de Relações Internacionais da Faculdade Mackenzie Rio

Após o discurso de Trump ao Congresso Americano no início de março, a bolsa americana sofreu uma queda significativa que anulou todo o crescimento desde as eleições de Trump. Em seu discurso, Trump reforçou que altas tarifas de importação serão aplicadas aos principais parceiros comerciais norte-americanos, o que terá impactos deletérios para diversas empresas americanas. Trump parece usar a ameaça e a imposição de tarifas como uma forma de coagir outros países a se sujeitarem às vontades do presidente americano. No curto prazo, em alguns casos, a estratégia pode ter o efeito desejado, porém, o efeito de longo prazo pode não ser o esperado.

Em primeiro lugar, os mercados não gostam de incerteza. Um dos requisitos para que os mercados sejam eficientes é que a informação seja plena. Essa condição é quase impossível de ser encontrada na realidade, mas os atores econômicos buscam revelar o máximo de informações consideradas importantes para a previsibilidade e estabilidade dos mercados. Ao ameaçar um país com tarifas comerciais de 20% em um dia, 50% no outro e 200% no outro, Trump remove o fator da previsibilidade e cria um ambiente de constante incerteza.

Ao longo das últimas décadas, os Estados Unidos se tornaram o polo principal de uma das mais importantes cadeias globais de valor. Na fragmentação da produção em diferentes países, as empresas americanas encontraram formas de reduzir os custos de produção e se tornarem mais competitivas no mercado internacional. Esse processo foi favorecido por acordos de livre comércio como o NAFTA, que envolve México e Canadá além dos EUA e que envolvia a remoção de barreiras tarifárias e não-tarifárias ao comércio entre os países da América do Norte. A imposição de tarifas comerciais afeta negativamente as empresas e cadeias produtivas, que foram fomentadas por essa maior integração econômica entre os países da região, elevando custos de produção e trazendo prejuízos no curto prazo. O processo de nacionalização das cadeias produtivas não é instantâneo e acarretará custos altos para as empresas americanas.

Além disso, a falta de previsibilidade de tarifas dificulta transações comerciais e a realização de contratos pois remove o fator de previsibilidade dos preços. Isso gera uma série de dificuldades para empresas americanas que compram insumos ou peças no exterior. A ausência de um cronograma claro de implementação de tarifas e as mudanças repentinas nos percentuais aplicados geram custos de transação. O principal efeito dessas tarifas será o aumento dos preços para o consumidor americano. Ao contrário do que Trump afirma, tarifas comerciais de importação não são pagas pelos governos estrangeiros, mas são embutidas pelas empresas no preço final dos bens vendidos. Logo, essas tarifas irão afetar negativamente a inflação nos Estados Unidos. É importante lembrar que a inflação foi um dos pontos de principal insatisfação do eleitorado americano com o governo Biden e é entendido como uma das principais causas para a vitória do candidato republicano.

A grande questão que se apresenta hoje para empresas americanas e estrangeiras é qual é o objetivo final de Donald Trump com a implementação dessas tarifas. Trump cita com frequência o Presidente McKinley que governou o país no fim do século XIX e é conhecido pela implementação de tarifas comerciais com o objetivo de fortalecer a indústria nacional americana. Nesse período, os Estados Unidos ainda não eram a principal potência econômica do mundo e o cenário econômico internacional era bastante diferente. Hoje, a integração das empresas americanas em cadeias globais de valor é um dos fatores que contribuíram para a manutenção da sua competitividade em nível global e permitiram sua expansão para mercados além dos Estados Unidos. Os Estados Unidos se consolidaram como a principal potência econômica patrocinando e fomentando a maior integração econômica global no pós-Segunda Guerra Mundial começando pela liberalização multilateral do comércio internacional e posteriormente pela liberalização dos fluxos de capitais do âmbito global.

A estratégia de Trump pode ser considerada pelo viés da restauração de algum grau de autonomia econômica a fim de nacionalizar a produção de bens considerados estratégicos. Contudo, a indiscriminação na aplicação das tarifas e a ausência da apresentação de um objetivo final claro acabam criando apenas incerteza e desconfiança dos agentes econômicos. O impacto de longo prazo da guerra tarifária iniciada por Trump pode ter efeitos deletérios para economia americana e aprofundar a insatisfação da população americana com a performance econômica do país. Ainda estamos no início do governo Trump. Resta observar os próximos passos do governo e buscar estratégias eficientes para navegar as águas turbulentas da economia internacional.

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