Nova regra busca garantir rigor na recuperação de créditos antes que encargos inadimplentes sejam incorporados à tarifa de transmissão paga pelos consumidores.
Em decisão tomada nesta terça-feira (27), a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) aprovou uma metodologia inédita para avaliação do “máximo esforço” na cobrança dos encargos rescisórios vinculados aos Contratos de Uso do Sistema de Transmissão (CUST).
A medida tem como objetivo assegurar que as transmissoras de energia elétrica realizem todas as ações possíveis — administrativas e judiciais — para recuperar os valores devidos por agentes inadimplentes, antes de permitir que esses montantes sejam incorporados à Receita Anual Permitida (RAP), que compõe a remuneração do serviço de transmissão.
A metodologia foi construída após amplo processo de consulta pública, realizado entre 5 e 24 de fevereiro de 2025 (CP 005/2025), que contou com a participação de 18 agentes e instituições do setor elétrico, incluindo transmissoras, associações e agentes de mercado.
O que está em jogo: equilíbrio econômico e justiça tarifária
Os encargos rescisórios são cláusulas penais previstas nos CUST, que funcionam como uma compensação financeira devida pelas partes que descumprem ou cancelam os contratos antes do prazo acordado. Esses valores são fundamentais para mitigar o risco financeiro das transmissoras, que dependem da previsibilidade contratual para manter seus investimentos e operar a infraestrutura do sistema elétrico brasileiro.
A nova metodologia visa garantir que esses valores sejam cobrados de forma exaustiva e diligente junto aos agentes que deram causa à rescisão contratual, evitando que o ônus seja repassado diretamente aos consumidores na forma de reajuste da RAP.
Segundo a decisão, somente após a comprovação efetiva de que todas as alternativas administrativas e judiciais foram esgotadas, os valores não recuperados poderão ser contabilizados na RAP, impactando as tarifas de transmissão de energia.
O papel dos Contratos de Uso do Sistema de Transmissão (CUST)
Os CUST são contratos firmados entre os usuários do sistema de transmissão — como geradores, distribuidores, consumidores livres, importadores e exportadores de energia — e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que representa as transmissoras. Esses contratos regulam as condições de acesso à Rede Básica, a espinha dorsal do sistema elétrico brasileiro.
Quando um usuário solicita acesso à Rede Básica, assume compromissos financeiros diretamente vinculados aos custos de expansão, operação e manutenção da infraestrutura. O descumprimento desses contratos, especialmente por meio de cancelamentos antecipados, gera impactos econômicos diretos às transmissoras, que precisam ser compensadas pelos encargos rescisórios previstos nas cláusulas contratuais.
Como funcionará a nova metodologia aprovada pela ANEEL?
A metodologia aprovada estabelece uma série de critérios objetivos e procedimentos para avaliar se a transmissora realizou o máximo esforço possível para cobrar os encargos rescisórios:
- Ações administrativas: tentativas de negociação, emissão de notificações e cobrança formal, tanto diretamente quanto por meio do ONS.
- Medidas judiciais: ajuizamento de ações judiciais cabíveis, acompanhamento processual e adoção de medidas para execução de sentenças, bloqueio de ativos ou obtenção de garantias.
- Registro e transparência: a transmissora deverá documentar todas as etapas, prazos, tentativas de negociação e resultados das ações adotadas.
- Critérios temporais: definição de prazos mínimos para cada fase do processo de cobrança, garantindo celeridade e efetividade.
Somente após o esgotamento comprovado desses mecanismos será autorizada a contabilização do valor não recuperado na RAP, protegendo, assim, os interesses dos consumidores e do equilíbrio econômico-financeiro do setor.
Impacto para o setor e para os consumidores
De acordo com a ANEEL, a participação dos agentes na Consulta Pública 005/2025 foi fundamental para o aperfeiçoamento da proposta. Entre as principais sugestões acatadas estão o aprimoramento dos critérios de avaliação da efetividade das medidas adotadas e a definição mais clara das responsabilidades do ONS no suporte às transmissoras no processo de cobrança.
A adoção dessa metodologia representa um avanço regulatório relevante, pois reforça a disciplina contratual no ambiente de transmissão e preserva a modicidade tarifária, evitando que inadimplências contratuais sejam repassadas automaticamente à conta do consumidor.
Além disso, sinaliza ao mercado que a ANEEL está comprometida em garantir previsibilidade, transparência e segurança jurídica nas relações comerciais do setor elétrico, fatores fundamentais para atrair investimentos e sustentar a expansão da infraestrutura elétrica no país.
Para as transmissoras, a regra também traz mais clareza quanto aos procedimentos a serem seguidos, além de assegurar que, após esgotados todos os meios legítimos de cobrança, a recomposição econômica via RAP seja garantida, preservando o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.