Sensoriamento remoto, inteligência artificial e rigor na coleta de dados transformam a gestão das emissões de carbono e abrem caminho para o Brasil consolidar protagonismo global na COP 30
A governança climática está passando por uma transformação estrutural sem precedentes, impulsionada por avanços tecnológicos e pela crescente pressão de investidores e reguladores por mais transparência e rigor na coleta de dados ambientais. O sensoriamento remoto, a inteligência artificial (IA) e metodologias de monitoramento cada vez mais precisas moldam a nova era da gestão climática, na qual o Monitoramento, Relato e Verificação (MRV) se tornou elemento central para empresas, governos e investidores.
O mais recente estudo Top Trends COP 30, desenvolvido pela Ideia Sustentável, reúne a análise de 22 tendências que nortearão as discussões da próxima Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30). Entre os principais vetores identificados está a emergência de sistemas tecnológicos sofisticados para o monitoramento das emissões de gases de efeito estufa (GEE), mas que dependem, acima de tudo, de dados confiáveis e estruturais sólidos.
“Antes mesmo de avançarmos para soluções tecnológicas mais sofisticadas, enfrentamos um problema básico: a criação e a disponibilização de dados confiáveis”, alerta Julio Carepa, especialista em financiamento climático e um dos experts que contribuíram para o estudo. Para Carepa, a inteligência artificial generativa, embora promissora, pode criar uma falsa sensação de controle se for alimentada por dados de baixa qualidade, mascarando problemas reais e perpetuando ineficiências.
Este alerta é especialmente relevante em ecossistemas complexos e estratégicos como a Amazônia, onde a variabilidade climática e a extensão territorial impõem desafios significativos à medição da capacidade real da floresta em estocar carbono. “Estamos diante de uma realidade inédita para a ciência: um cenário de concentração de CO₂ nunca antes vivenciado”, destaca Carepa. Ele ainda ressalta que a metodologia científica tem sido distorcida por narrativas negacionistas, impulsionadas por interesses políticos e econômicos que desconsideram evidências científicas consolidadas.
A importância da infraestrutura institucional para a governança climática
Além dos desafios técnicos, países em desenvolvimento, como o Brasil, enfrentam limitações estruturais que dificultam a consolidação de sistemas eficazes de monitoramento. Fatores como escassez de recursos financeiros, baixa capacidade institucional e insuficiência de investimentos em pesquisa científica comprometem a efetividade das tecnologias disponíveis e impedem que essas ferramentas desempenhem seu papel transformador.
Nesse contexto, o fortalecimento da infraestrutura institucional e a criação de bases nacionais confiáveis de dados climáticos surgem como pré-requisitos indispensáveis para que o Brasil e outros países possam participar de forma competitiva no emergente e cada vez mais exigente mercado global de carbono.
O protagonismo do MRV no setor privado
O conceito de MRV (Monitoramento, Relato e Verificação) ganhou papel central no setor privado, especialmente na elaboração de inventários de emissões e na implementação de projetos relacionados ao mercado de carbono. A realização de inventários consistentes, com base em metodologias internacionalmente reconhecidas como o GHG Protocol e a ISO 14.064, confere às empresas credibilidade e atratividade junto a investidores.
“Empresas que fazem inventários consistentes de suas emissões, com base em metodologias robustas, conquistam credibilidade e atraem investimentos”, afirma Carla Leal, doutora em finanças com foco em ESG e mudanças climáticas, membro da Comissão de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e uma das entrevistadas no estudo.
O rigor técnico no relato das emissões ambientais, que antes era visto apenas como uma exigência regulatória, passou a ser um diferencial competitivo. Organizações como o Carbon Disclosure Project (CDP) avaliam e classificam empresas conforme a qualidade das suas informações ambientais, impactando diretamente sua capacidade de atrair investidores institucionais e acessar linhas de crédito mais vantajosas. “As empresas com melhor desempenho ambiental conseguem acesso a recursos mais baratos no mercado de capitais”, destaca Carla.
Ela acrescenta que o monitoramento ambiental deve ser entendido como uma ferramenta estratégica de gestão, diretamente ligada ao fluxo financeiro que possibilita a transição sustentável em escala global.
Brasil: de guardião da Amazônia a protagonista global
O Brasil, com sua vasta extensão territorial e um dos mais importantes ativos ambientais do planeta, tem uma oportunidade única de se consolidar como referência global em governança climática. Especialistas apontam três eixos estratégicos que o país deve adotar para alcançar esse protagonismo:
- Estruturar uma base nacional confiável de dados climáticos;
- Consolidar a Amazônia como centro de excelência em monitoramento ambiental;
- Criar mecanismos que facilitem o acesso a capital verde para empresas com bom desempenho socioambiental.
Segundo o estudo Top Trends COP 30, o fortalecimento dessas frentes permitirá ao Brasil assumir papel de liderança nas negociações climáticas, especialmente no contexto da COP 30, cuja relevância será decisiva para a definição de metas e estratégias globais relacionadas à redução de emissões de GEE, adaptação às mudanças climáticas, financiamento climático, preservação da biodiversidade e justiça climática.
A integração entre tecnologia, política pública e governança corporativa
O avanço no monitoramento das emissões e a construção de uma governança climática sólida só serão possíveis mediante a integração entre tecnologia, políticas públicas e governança corporativa. Para Ricardo Voltolini, CEO da Ideia Sustentável e coordenador do estudo, o Brasil precisa apostar na combinação dessas três dimensões para criar um ciclo virtuoso de desenvolvimento sustentável.
“Estamos falando de um mercado cada vez mais exigente, onde transparência e consistência de dados são diferenciais críticos. O Brasil tem todas as condições para ser referência, mas precisa transformar potencial em ação concreta”, afirma Voltolini, que também é curador da Pós-Graduação em ESG, Liderança e Inovação da FAAP/UOL Editech e diretor de Sustentabilidade da ABRH-Brasil.
O estudo, elaborado com a colaboração de 18 especialistas, evidencia que a governança climática do futuro será fundamentada em dados confiáveis, tecnologias avançadas e uma atuação coordenada entre os setores público e privado, com foco em resultados concretos na luta contra as mudanças climáticas.