Audiência pública reúne representantes do governo, do setor elétrico e da sociedade civil para discutir os efeitos do fluxo reverso na rede e a sustentabilidade da geração distribuída no Brasil
A Câmara dos Deputados promove nesta terça-feira (6), por meio da Comissão de Desenvolvimento Econômico, uma audiência pública para tratar de um dos temas mais sensíveis do setor elétrico nacional: os impactos da injeção de energia excedente — o chamado fluxo reverso — na rede elétrica. A discussão acontece às 10h, no plenário 5 do Anexo II, e foi convocada pelo deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), um dos principais defensores da geração distribuída no Congresso Nacional.
Com o avanço da instalação de sistemas solares fotovoltaicos, turbinas eólicas de pequeno porte e unidades movidas a biomassa, cresce também a quantidade de energia produzida por consumidores que, ao gerar mais do que consomem, devolvem o excedente ao sistema de distribuição. Esse fenômeno, conhecido como fluxo reverso, tem provocado reações divergentes entre agentes do setor elétrico: enquanto as distribuidoras apontam riscos técnicos e desequilíbrios tarifários, os defensores da geração distribuída alegam falta de dados e tentativas de frear a descentralização energética no país.
Um debate urgente sobre o futuro da geração distribuída
O objetivo da audiência pública, segundo o parlamentar, é esclarecer os possíveis impactos técnicos e econômicos do fluxo reverso na rede de distribuição, além de debater caminhos regulatórios para garantir que o crescimento da geração distribuída ocorra de forma sustentável e transparente. “As distribuidoras têm justificado a necessidade de alterações tarifárias e regulatórias alegando prejuízos causados pelo fluxo reverso, mas não apresentaram qualquer estudo técnico público que comprove a existência ou a dimensão desses efeitos”, critica Lafayette.
Ele destaca ainda que a micro e minigeração distribuída tem papel fundamental na democratização do acesso à energia renovável e no desenvolvimento regional. “Esse segmento é um dos que mais geram emprego e renda de forma descentralizada, especialmente em regiões afastadas dos grandes centros urbanos. Qualquer mudança regulatória precisa considerar esse impacto social positivo.”
Quem participa da audiência pública
Diversos especialistas e representantes de entidades estratégicas foram convidados para contribuir com a análise do tema. Entre os confirmados estão:
- Bárbara Rubim, vice-presidente de geração distribuída da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR)
- Carlos Evangelista, presidente da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD)
- Fernando Silva, gerente executivo do planejamento elétrico do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS)
- Hewerton Martins, presidente do Movimento Solar Livre (MSL)
- Marcos Madureira, presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (ABRADEE)
- Pedro Lombardi, gerente da Superintendência de Regulação dos Serviços de Transmissão e Distribuição da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)
Além desses nomes, representantes do Ministério de Minas e Energia (MME) e do Instituto Nacional de Energia Limpa (INEL) também foram convidados e aguardam confirmação.
Fluxo reverso: desafio técnico ou disputa de modelo?
Para as distribuidoras, o crescimento da geração distribuída impõe desafios à operação da rede elétrica, especialmente em horários de baixa demanda. As concessionárias alegam que o fluxo de energia em sentido oposto ao convencional pode afetar a qualidade do fornecimento, aumentar os custos operacionais e distorcer a alocação de encargos tarifários, uma vez que parte dos consumidores estaria utilizando a rede sem pagar proporcionalmente por ela.
Já os defensores da geração distribuída afirmam que a discussão tem sido pautada por interesses comerciais e pela tentativa de desacelerar a descentralização do setor elétrico. “Faltam estudos públicos, baseados em dados reais, que justifiquem qualquer revisão regulatória drástica. O que não falta é evidência do benefício socioeconômico da geração distribuída”, afirma Bárbara Rubim, da ABSOLAR.
Regulação em foco
A audiência pública ocorre em meio à implementação da Lei nº 14.300/2022, que estabeleceu o marco legal da geração distribuída e criou uma regra de transição até 2029 para os novos consumidores que instalarem sistemas de geração própria. No entanto, a pressão das distribuidoras por mudanças mais imediatas levanta preocupações sobre a previsibilidade e a segurança regulatória no setor.
Para Lafayette, esse é o momento de garantir equilíbrio e racionalidade. “Precisamos de uma política energética que estimule a inovação, assegure justiça tarifária e preserve a estabilidade da rede. Mas isso só pode ser feito com base em dados técnicos confiáveis e com participação ampla da sociedade.”
Com um setor cada vez mais descentralizado, digital e limpo, o Brasil se encontra diante de uma encruzilhada regulatória. O debate desta terça pode ser decisivo para apontar os rumos da energia distribuída em um país que caminha para ser protagonista da transição energética global.