Nova medida provisória reconhece a contratação de flexibilidade como essencial para garantir segurança, eficiência e estabilidade na matriz elétrica, mas regulação infralegal será decisiva para sua efetividade
O setor elétrico brasileiro avança mais um passo rumo à modernização e à transição energética com a publicação da Medida Provisória nº 1.300/2025, que introduz oficialmente a possibilidade de contratação de flexibilidade na geração de energia. Esse atributo, até então pouco explorado na regulação nacional, torna-se fundamental diante da crescente participação de fontes intermitentes, como a solar e a eólica, na matriz elétrica do país.
De acordo com análise do Instituto E+ Transição Energética, a inclusão da flexibilidade no marco regulatório é um movimento alinhado às melhores práticas internacionais e crucial para garantir a estabilidade, a segurança e a eficiência operacional do sistema elétrico brasileiro.
“Fala-se muito na necessidade de oferta de capacidade, mas, na verdade, o que falta no sistema elétrico é flexibilidade. E, quando se dá nome a esse atributo, cria-se uma base concreta para sua contratação de forma eficiente e transparente”, destaca Rosana Santos, diretora-executiva do Instituto E+.
Flexibilidade: o que significa na prática?
No contexto energético, flexibilidade refere-se à capacidade do sistema de adaptar rapidamente sua operação para equilibrar oferta e demanda, compensando oscilações decorrentes da variabilidade de fontes renováveis. Isso permite garantir um fornecimento contínuo e seguro, mesmo quando a geração solar e eólica sofre redução por falta de sol ou vento.
Para o sistema brasileiro, que está cada vez mais dependente de fontes renováveis, a contratação de flexibilidade não é apenas uma opção técnica — é um imperativo estratégico para manter a qualidade e a estabilidade do fornecimento de energia.
Fontes de flexibilidade: quais são as mais adequadas para o Brasil?
O Brasil, por possuir uma matriz elétrica majoritariamente renovável, tem à sua disposição soluções tecnológicas que podem atender essa necessidade de forma sustentável e econômica. Entre elas, destacam-se:
- Hidrelétricas com reservatórios, que são naturalmente flexíveis, permitindo armazenar água e gerar energia conforme a demanda;
- Sistemas de armazenamento de energia (baterias), que podem guardar excedentes de geração renovável e suprir o sistema em momentos críticos;
- Resposta da demanda, que permite que consumidores reduzam ou adiem seu consumo de energia em momentos específicos, mediante incentivos econômicos.
Por outro lado, tecnologias adotadas em países com menor participação de hidrelétricas, como as térmicas aeroderivativas (turbinas semelhantes às de aviões), são vistas como menos viáveis para o Brasil. Além de terem custo elevado, essas usinas dependem de combustíveis fósseis, o que contraria os princípios de uma matriz limpa e encarece as tarifas.
“Além do alto custo, essas térmicas comprometem nossa vantagem competitiva de ter uma matriz renovável e de baixo carbono. Faz mais sentido investir em baterias, hidrelétricas e digitalização do consumo”, explica Rosana.
O papel da regulação: desafio e oportunidade
Embora a MP 1.300 represente um avanço, sua efetiva implementação dependerá de regulamentação específica. Isso significa que a definição de como a flexibilidade será precificada, contratada e operacionalizada ficará a cargo da regulação infralegal, especialmente por meio da atuação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e do Ministério de Minas e Energia (MME).
Essa etapa será crucial para transformar o conceito de flexibilidade em realidade econômica e operacional. Uma regulação bem desenhada pode gerar benefícios tanto para o setor quanto para os consumidores, promovendo eficiência, mitigando custos e impulsionando a transição energética.
Digitalização: protagonista no médio prazo
O avanço da digitalização das redes de distribuição também será um elemento chave para ampliar a flexibilidade. A adoção de medidores inteligentes, combinada a tarifas dinâmicas, permitirá que os consumidores ajustem seu consumo de acordo com os sinais de preço e a necessidade do sistema.
Essa integração tecnológica viabiliza modelos de consumo mais inteligentes e colaborativos, nos quais pequenos consumidores passam a atuar como agentes ativos na estabilidade da rede, recebendo incentivos para consumir menos nos horários de pico e mais quando houver excedente de geração renovável.
Uma transição energética que demanda agilidade
A iniciativa da MP 1.300 insere o Brasil em um movimento global de modernização dos sistemas elétricos. No entanto, sua efetividade dependerá da velocidade e da qualidade da regulamentação que será construída nos próximos meses.
“A contratação da flexibilidade não é apenas uma inovação técnica, é uma necessidade econômica e ambiental. O sucesso dessa medida garantirá um sistema mais seguro, sustentável e economicamente eficiente para todos os brasileiros”, conclui Rosana Santos.
O Instituto E+ Transição Energética reforça que, para que a transição energética ocorra de maneira bem-sucedida, será essencial que governo, setor produtivo e sociedade trabalhem juntos na construção de modelos regulatórios que priorizem inovação, sustentabilidade e competitividade.