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Justiça Federal suspende licenciamento ambiental da Eneva no Complexo do Azulão, no Amazonas

Decisão exige consulta aos povos indígenas e expõe falhas no licenciamento ambiental conduzido pelo IPAAM

Em decisão liminar proferida na última sexta-feira (23), a Justiça Federal determinou a suspensão da emissão de novas licenças ambientais para o Complexo do Azulão, operado pela Eneva no estado do Amazonas. A medida também paralisa imediatamente qualquer atividade exploratória da empresa em áreas sobrepostas à Terra Indígena Gavião Real, localizada nos municípios de Silves e Itapiranga.

A decisão atinge diretamente o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), que está legalmente impedido de conceder qualquer nova licença relacionada ao empreendimento, enquanto não forem cumpridos os requisitos previstos em normas nacionais e internacionais, especialmente aqueles vinculados à proteção dos povos indígenas e do meio ambiente.

O caso levanta um alerta significativo para o setor energético, que enfrenta crescente pressão para alinhar suas operações aos princípios da responsabilidade socioambiental, sobretudo em biomas sensíveis como a Amazônia.

Falhas no licenciamento e omissões críticas

De acordo com o parecer da Justiça, o IPAAM teria emitido licenças para o Complexo do Azulão desconsiderando obrigações legais indispensáveis, entre elas:

  • A consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas e extrativistas afetados, conforme estabelece a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário;
  • A elaboração e análise do Estudo de Componente Indígena (ECI), documento obrigatório que deve ser validado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI);
  • A realização de estudos específicos sobre povos indígenas isolados, a cargo da Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC/FUNAI).

O processo judicial foi embasado em relatórios do Ministério Público Federal (MPF) e da própria FUNAI, que, desde maio de 2024, já apontavam danos concretos aos povos indígenas, comunidades tradicionais e ao meio ambiente, em razão das atividades conduzidas pela Eneva na região.

Impactos ambientais e sociais sob investigação

As denúncias incluem uma série de impactos socioambientais relevantes, como:

  • Contaminação dos recursos hídricos locais;
  • Ameaça à biodiversidade, incluindo deslocamento de espécies bioindicadoras, fundamentais para o equilíbrio ecológico;
  • Agravamento de conflitos socioambientais, envolvendo ribeirinhos, pescadores, extrativistas e povos indígenas;
  • Contribuição para processos de mudança climática local, como resultado da exploração de combustíveis fósseis na região amazônica.

Mobilização das comunidades garantiu avanço judicial

Cacique Jonas Mura, líder da Associação dos Povos Indígenas do Rio Anebá (APIRA) e coordenador nacional de povos e comunidades tradicionais na Rede GTA, destacou que a decisão representa uma conquista histórica.

“A Justiça foi feita. Agora temos mais chances de seguir com um novo processo, buscando o respeito aos povos indígenas que habitam este território há séculos. Esta vitória é fruto da mobilização coletiva das comunidades locais”, afirmou.

Márcia Ruth, da Associação de Silves pela Preservação Ambiental e Cultural (ASPAC), reforçou que a decisão é também uma resposta às denúncias apresentadas há anos pelos movimentos sociais.

“O IPAAM concedeu licenças sem a observância dos ritos legais, colocando em risco o meio ambiente, a saúde pública e a vida das comunidades. A decisão reafirma que desenvolvimento econômico não pode se sobrepor aos direitos humanos e à conservação da Amazônia”, disse.

Setor energético sob pressão: transição ou retrocesso?

O episódio reforça o debate sobre a urgência de uma transição energética justa, inclusiva e ambientalmente responsável no Brasil, sobretudo na região amazônica, onde a exploração de gás e petróleo frequentemente esbarra em questões sensíveis de ordem socioambiental e de direitos territoriais.

Para Ilan Zugman, diretor da 350.org para a América Latina e Caribe, a decisão da Justiça Federal tem efeito pedagógico não apenas para a Eneva, mas para todo o setor de óleo, gás e energia.

“Esta vitória dos povos indígenas e da Amazônia é também um lembrete ao Brasil e ao mundo de que desenvolvimento econômico não pode ocorrer à custa dos direitos humanos e da biodiversidade. O respeito às comunidades e ao meio ambiente não é opcional, é uma exigência legal e ética”, destacou.

O que acontece agora?

A liminar obriga o IPAAM e a Eneva a interromperem qualquer novo licenciamento ambiental e qualquer exploração sobreposta à Terra Indígena Gavião Real, até que sejam cumpridas todas as etapas legais. No entanto, as atividades que já possuem licenciamento prévio continuam autorizadas, ao menos por enquanto, e seguem sob análise judicial em processos paralelos.

Para especialistas do setor, o episódio revela um ponto de inflexão: empresas que não adaptarem seus processos de licenciamento a padrões robustos de governança socioambiental correm riscos cada vez maiores de sanções judiciais, bloqueios institucionais e danos reputacionais irreversíveis.

Além de se tratar de uma disputa jurídica, o caso do Complexo do Azulão é também simbólico de um embate maior entre dois modelos: aquele baseado na expansão de combustíveis fósseis na Amazônia e outro, cada vez mais defendido por especialistas, que aponta para a urgência de acelerar uma transição energética sustentável, justa e democrática.

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