Por Paulo Toledo, CO-CEO e fundador da Ecom Energia
Há alguns meses, durante uma reunião com investidores internacionais, ouvi uma pergunta que ecoa até hoje: “O Brasil tem todos os recursos para liderar a economia verde, mas por que ainda não é visto como protagonista?”. A resposta, descobri, está menos no que temos e mais em como estamos agindo.
A transição energética não é só sobre tecnologia; é uma revolução geopolítica. Países que combinarem recursos naturais, capacidade industrial e visão estratégica definirão as regras do jogo nas próximas décadas.
Segundo o relatório do Laboratório de Política Industrial Net Zero da Johns Hopkins, o Brasil está entre os poucos com dotações únicas: 15% da água doce do planeta, a maior biodiversidade, sol, vento e minerais críticos como nióbio e lítio. Imagine um país que pode produzir aço verde usando hidrogênio de fontes renováveis, biocombustíveis para aviação a partir de resíduos agrícolas e fertilizantes sem dependência de petróleo. Esse país é o Brasil.
O relatório da Johns Hopkins destaca que, dos sete setores-chave para a economia verde em 2050, temos condições de liderar em pelo menos cinco até 2030. Por quê?
- Base consolidada: Somos referência em hidrelétricas, bioenergia e agricultura de baixo carbono. A Embrapa , por exemplo, mostrou que é possível aliar produtividade e sustentabilidade — um modelo a ser replicado.
- Recursos estratégicos: Além de vento e sol, temos reservas de terras raras essenciais para turbinas eólicas e baterias.
Mas, como CEO de uma empresa de energia renovável e conselheiro de administração de empresas no setor elétrico que já viu ciclos econômicos surgirem e caírem, digo: recursos são só o começo. O desafio é transformá-los em ação coordenada. Não se trata só de extrair e exportar. O relatório alerta que, se ficarmos na zona de conforto de commodities verdes, perderemos a chance de agregar valor. A Coreia do Sul nos anos 1990 não virou potência tecnológica exportando minérios, mas dominando cadeias inteiras, como a de semicondutores. Precisamos do mesmo foco.
Os desafios da nova indústria brasileira: foco, governança e educação
A Nova Indústria Brasil (NIB), com seus US$ 60 bilhões em investimentos, é um passo visionário, mas arriscado. O relatório da Johns Hopkins aponta que políticas industriais bem-sucedidas exigem três pilares:
- Metas específicas: Em vez de tentar abraçar sete setores de uma vez, por que não priorizar dois ou três? Dominar 25% do mercado global de bioquerosene até 2030, por exemplo, exigiria integração entre agroindústria, logística e inovação.
- Governança colaborativa: Na Alemanha, o Fraunhofer Institute reúne governo, empresas e academia para ajustar políticas em tempo real. Aqui, falta um fórum permanente para alinhar interesses — e isso custa tempo e recursos.
- Educação técnica: A educação também precisa ser priorizada. O setor de energias renováveis exige mão de obra qualificada, que são essenciais para evitar a dependência tecnológica externa e continuar a importar know-how. Um dado me preocupa: apenas 5% dos jovens brasileiros optam por cursos técnicos, contra 40% na Alemanha. Como construir uma indústria verde sem mão de obra qualificada?
Como próximos passos, há três movimentos urgentes, tanto para empresas quanto para governos:
- Clusters estratégicos: Escolher cadeias prioritárias e replicar o modelo da Embrapa, que transformou o agronegócio com pesquisa focada. Exemplo: integrar produção de SAFs (combustíveis de aviação sustentáveis) com mineração verde, criando sinergias entre setores.
- Financiamento inteligente: O BNDES pode emitir green bonds para projetos que combinem energia eólica, hidrogênio e mineração sustentável.
- Diálogo global: Precisamos de acordos comerciais que reconheçam o valor agregado dos produtos verdes brasileiros. A Europa e os EUA buscam parceiros confiáveis na transição; temos que nos posicionar não como fornecedores, mas como co-criadores de soluções.
Por fim, há uma frase no relatório da Johns Hopkins que resume tudo: “O Brasil tem uma janela de 5 a 7 anos para consolidar sua liderança verde”. Não se trata de ser otimista ou pessimista, mas realista: o mundo não esperará por nós.
Aos líderes empresariais e governamentais, deixo um convite: em vez de replicar modelos ultrapassados, vamos construir uma nova economia onde recursos naturais e indústria de ponta andem juntos.
O Brasil não precisa ser apenas o “celeiro” ou o “reservatório” do mundo. Podemos ser os arquitetos de um sistema energético mais justo e eficiente. Mas, para isso, é hora de trocar discursos por ações — e fazer da transição energética não um projeto de governo, mas um pacto nacional.