União Europeia sinaliza abertura para ampliar importações de energia dos EUA, mas alerta que contratos são definidos por empresas, não por Bruxelas
Em mais um capítulo da complexa relação entre Estados Unidos e União Europeia, a energia voltou ao centro do debate geopolítico. Nesta terça-feira (8), a Comissão Europeia declarou estar disposta a ampliar a compra de gás natural liquefeito (GNL) dos Estados Unidos, conforme sugerido pelo ex-presidente norte-americano Donald Trump. No entanto, o bloco europeu alertou que a decisão final sobre contratos de fornecimento de energia é tomada por empresas privadas e não diretamente pelo Executivo comunitário.
A sinalização de abertura veio por meio da porta-voz de Energia da Comissão Europeia, Anna-Kaisa Itkonen, durante entrevista coletiva em Bruxelas. “Metade do nosso GNL já vem dos EUA e estamos dispostos a ir mais longe, a trabalhar com o governo de Donald Trump, e negociar com os EUA”, afirmou. A declaração foi uma resposta direta à fala de Trump, feita um dia antes, em que condicionou a redução de tarifas sobre produtos industriais à compra de US$ 350 bilhões em energia americana pela UE.
Apesar da aparente disposição política, Itkonen destacou que a Comissão Europeia “não é um ator de mercado” e, portanto, não interfere nos contratos de fornecimento firmados entre empresas europeias e fornecedoras estrangeiras. “Não negociamos nenhum desses contratos. O que podemos fazer concretamente é revisar os procedimentos de certificação das infraestruturas de GNL e analisar opções para aumentar a demanda”, acrescentou a porta-voz.
Dependência energética e diversificação de fontes
De acordo com os dados mais recentes, os Estados Unidos foram responsáveis por 45,3% das importações de GNL da União Europeia em 2024, consolidando-se como o principal fornecedor do bloco nessa modalidade. Em seguida aparecem Rússia (17,5%) e Noruega (13,5%). No fornecimento de gás canalizado, a Noruega lidera com 45,6%, sendo uma alternativa crucial à redução das importações russas, especialmente após os conflitos geopolíticos envolvendo a Ucrânia.
A dependência energética tornou-se um tema central na política externa da UE desde 2022, quando o bloco iniciou esforços para diversificar urgentemente seus fornecedores. A invasão da Ucrânia pela Rússia e o consequente boicote europeu às exportações russas de energia intensificaram essa necessidade.
A porta-voz de Energia reforçou esse compromisso: “Não queremos ser excessivamente dependentes de um único fornecedor. Aprendemos nossas lições”. Nesse contexto, os EUA permanecem como um parceiro estratégico, ainda que as exigências comerciais de Trump introduzam tensões adicionais nas negociações bilaterais.
Pressão comercial americana
Durante declaração no Salão Oval da Casa Branca ao lado do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, Trump sugeriu que a União Europeia poderia “resolver facilmente” os impasses tarifários se se comprometesse a comprar energia americana em larga escala. “Uma das maneiras pelas quais isso pode desaparecer fácil e rapidamente é se comprarem nossa energia… se puderem comprá-la, podemos reduzir os US$ 350 bilhões em uma semana”, disse o ex-presidente.
Trump argumentou que os Estados Unidos têm capacidade de produção de energia suficiente para suprir não apenas sua demanda interna, mas também atender grandes blocos econômicos como a União Europeia. O objetivo, segundo ele, é equilibrar o déficit comercial dos EUA com os europeus.
Essa retórica reflete uma estratégia típica da política externa trumpista: utilizar o potencial energético americano como ferramenta de barganha comercial. Para o setor energético dos EUA, a proposta representa uma oportunidade de ouro para expandir mercados. Para a Europa, por outro lado, o desafio é balancear interesses comerciais, segurança energética e compromissos com a descarbonização.
Complexidade dos contratos energéticos
Embora o gesto político da Comissão Europeia sinalize disposição para aprofundar a parceria energética com os Estados Unidos, especialistas alertam para a complexidade dos contratos privados que regem o mercado de gás. A maioria das negociações entre fornecedores e distribuidores de GNL são feitas de forma direta, e variáveis como preço, infraestrutura de recebimento e duração do contrato tornam qualquer mudança dependente de tempo e alinhamento estratégico.
Além disso, a compra massiva de gás dos EUA pode entrar em choque com os compromissos climáticos da UE. O bloco europeu vem incentivando a transição energética e o crescimento de fontes renováveis como solar, eólica e hidrogênio verde, com metas ambiciosas para neutralidade de carbono até 2050.