Carta enviada ao governo destaca que sem metas climáticas mais ambiciosas, o sistema elétrico do Brasil enfrentará desafios severos nos próximos anos, incluindo aumento de custos, escassez de água e apagões
A Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE) publicou uma carta aberta ao governo brasileiro, alertando para o risco de uma crise energética iminente associada ao alto nível de emissões de gases de efeito estufa (GEE) no país. Enviada a ministros de áreas estratégicas, como Minas e Energia, Meio Ambiente e Fazenda, a carta aponta a urgência de uma revisão nas metas climáticas do Brasil, especificamente nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), como forma de proteger o sistema elétrico brasileiro de ameaças que vão desde o aumento dos custos operacionais e escassez hídrica até a insegurança energética, como apagões.
Dirigida a ministros como Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima), a FNCE apresenta estudos que indicam a necessidade de estabelecer metas de emissão mais rígidas e uma maior responsabilização de setores industriais mais emissores. Além disso, a carta alerta para o impacto potencial das mudanças climáticas no equilíbrio do sistema energético e para a necessidade de o Brasil assumir compromissos mais sólidos e transparentes em relação à transição energética.
Desafios do Sistema Elétrico Brasileiro com a Mudança Climática
A FNCE argumenta que, caso os atuais patamares de emissão de GEE não sejam reduzidos significativamente, o sistema elétrico brasileiro enfrentará um futuro incerto. Segundo a organização, o Brasil, hoje um dos maiores produtores de energia renovável do mundo, com 60% de sua matriz elétrica baseada em hidrelétricas, enfrenta riscos específicos, como a alteração do regime de chuvas e a consequente escassez hídrica. Esse cenário, caso se concretize, impactará diretamente a geração hidrelétrica, pressionando a necessidade de expansão do uso de termelétricas, que são mais caras e emissoras de carbono.
A carta destaca que o cenário atual de emissão de GEE compromete a sustentabilidade e segurança energética do país. “Se as metas climáticas não forem ajustadas a partir das evidências técnicas e científicas disponíveis, o sistema elétrico será drasticamente impactado, levando a um aumento incontrolável de custos, escassez de recursos hídricos e uma série de intermitências que ameaçam a qualidade de vida dos brasileiros”, alerta Luiz Eduardo Barata Ferreira, presidente da FNCE.
Impacto Econômico e Social: Tarifa e Vulnerabilidade Energética
A FNCE enfatiza que, além dos impactos ambientais, uma eventual crise energética pressionará a tarifa de energia elétrica, penalizando os consumidores finais, especialmente os de baixa renda. No documento, a organização faz um alerta sobre a “pobreza energética”, termo utilizado para descrever a dificuldade que famílias de baixa renda têm para acessar serviços de energia essenciais. Com o aumento dos custos de geração, a pobreza energética tende a se agravar, acentuando ainda mais as desigualdades sociais no Brasil.
Para a FNCE, garantir uma energia acessível e limpa não é apenas uma questão de sustentabilidade, mas também de justiça social. A organização chama a atenção para o que classifica como “incentivos perversos” ao aumento da geração termelétrica, o que poderia resultar em subsídios e taxas ainda maiores para os consumidores. Segundo o plano do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para 2024, não haverá necessidade de novas usinas térmicas nos próximos cinco anos, mas a FNCE alerta que o descontrole das emissões de carbono e o comprometimento das hidrelétricas podem acabar revertendo esse quadro.
A Expansão das Termelétricas: Um Círculo Vicioso de Emissões e Custos
No documento, a FNCE critica as recentes decisões governamentais de expandir o uso de combustíveis fósseis, incluindo o aumento dos incentivos ao gás e a exploração de petróleo na margem equatorial brasileira. A organização destaca que, no contexto atual, o país está investindo mais em energia termelétrica, contrariando as recomendações de especialistas e órgãos técnicos que defendem uma matriz energética mais limpa. Esse movimento, segundo a FNCE, promove um ciclo vicioso: com a escassez hídrica e aumento do uso de térmicas, o Brasil aumenta a emissão de GEE, o que agrava ainda mais os impactos das mudanças climáticas.
A FNCE também critica as decisões legislativas que incentivam a contratação compulsória de 4,2 gigawatts de usinas térmicas a gás e a prorrogação de subsídios para usinas a carvão até 2050, propostas no Projeto de Lei das Eólicas Offshore (PL 576/21). A carta descreve essas iniciativas como “injustificadas” e contraproducentes para as metas climáticas do Brasil, especialmente em um momento em que o país se prepara para a COP 29, em novembro, e a COP 30, que será sediada em solo brasileiro em 2025.
Eventos Climáticos Extremos e Riscos à Infraestrutura de Distribuição
Outro ponto de preocupação destacado pela FNCE é o impacto dos eventos climáticos extremos na infraestrutura de distribuição de energia. Segundo o documento, tempestades, vendavais e outros eventos extremos, que são cada vez mais frequentes devido ao aquecimento global, comprometem a capacidade do sistema de distribuição e aumentam os custos de manutenção e prevenção. Esse cenário deixa o sistema elétrico mais vulnerável a apagões e intermitências, expondo a população brasileira a um risco elevado de desabastecimento e às consequências da instabilidade energética.
Um Chamado por Adaptação e Resiliência
Para enfrentar esses desafios, a FNCE defende que o Plano Clima do Brasil priorize o aumento da eficiência energética, a ampliação do uso de combustíveis de baixa emissão e a modernização da infraestrutura elétrica. Além disso, a organização recomenda que sejam feitos investimentos na resiliência do sistema elétrico, o que inclui a revisão dos modelos de concessão e a integração de governança entre os níveis federal, estadual e municipal. Segundo a FNCE, essas medidas são necessárias para evitar que o país enfrente uma sequência de apagões e tragédias como as que têm atingido diversas regiões.
Ao final da carta, a FNCE expressa o desejo de participar ativamente do debate sobre as metas climáticas e a transição energética do Brasil. Segundo a organização, consumidores de energia de todos os segmentos esperam que o governo adote uma postura responsável e transparente na definição das novas metas da NDC, de modo a proteger o sistema elétrico e a qualidade de vida dos brasileiros. Para a FNCE, é fundamental que o governo ouça os consumidores, pois são eles que arcam com os custos da energia elétrica e os impactos das decisões políticas e econômicas no setor energético.