Relatório do Tribunal de Contas da União revela falhas no processo de migração para o mercado livre de energia, alertando para impactos na competitividade e aumento nos custos aos consumidores
O Tribunal de Contas da União (TCU) realizou uma auditoria no processo de abertura gradual do mercado de energia elétrica no Brasil e destacou fragilidades que podem comprometer a competitividade e elevar os preços aos consumidores. A análise é especialmente relevante em função da recente autorização, desde 1º de janeiro de 2024, para consumidores do Grupo A, com demanda inferior a 500 kW, migrarem para o Ambiente de Contratação Livre (ACL). Entre os principais beneficiários dessa mudança estão grandes consumidores, como indústrias, hospitais, supermercados e shoppings.
O objetivo da abertura gradual do mercado de energia é fomentar a concorrência e proporcionar mais opções para os consumidores, permitindo que eles escolham de quem querem comprar a energia. Contudo, a auditoria do TCU revelou que essa transição, se não for adequadamente gerida, pode acabar prejudicando o próprio consumidor final. A principal crítica levantada foi a ausência de uma sistemática clara de avaliação dos resultados das medidas adotadas até o momento, o que pode resultar em falhas na regulação e na garantia de um mercado eficiente.
Falta de Avaliação de Impacto e de Metas Claras
Entre as principais falhas apontadas pelo TCU está a falta de uma Avaliação de Impacto Regulatório (AIR) robusta no processo que levou à Portaria MME 50/2022, peça fundamental para a abertura do mercado. O tribunal observou que não foram realizadas análises técnicas aprofundadas sobre questões críticas, como o risco de sobrecontratação por parte das distribuidoras. Este problema pode gerar desequilíbrios no sistema, criando uma distorção que afetaria não apenas a estrutura de preços, mas também a estabilidade do fornecimento de energia.
Além disso, o TCU recomendou que o Ministério de Minas e Energia (MME) apresente de forma mais clara os objetivos da política de abertura, com uma avaliação detalhada dos impactos das portarias MME 514/2018 e 465/2019, que já implementaram mudanças significativas no setor. O tribunal exige que o ministério desenvolva uma metodologia de avaliação mais clara e detalhada para a fase atual da abertura, incluindo metas, indicadores de desempenho, responsabilidades e cronogramas.
Competição em Risco e Possibilidade de Aumento de Preços
Outro ponto de destaque na auditoria foi o risco de falta de competitividade no mercado livre de energia. Segundo o relatório, o risco de concentração de mercado em poucos comercializadores, especialmente aqueles ligados a distribuidoras, pode resultar em uma concorrência insuficiente. Essa concentração ameaça os objetivos centrais da abertura do mercado, que são aumentar a eficiência do setor e reduzir custos para os consumidores.
Se não houver correções adequadas, o TCU alerta que a falta de competição poderá levar à prática de preços elevados, o que prejudicaria diretamente os consumidores que esperavam economia ao migrar para o ACL. “A realização da abertura de mercado com o devido zelo e com o necessário equacionamento de todos os riscos inerentes ao processo é essencial para que se alcance um serviço de qualidade, com eficiência e preços reduzidos para os consumidores”, afirmou o ministro Antonio Anastasia, relator do processo.
Demora no Aperfeiçoamento da Regulação
Outro aspecto criticado pelo TCU foi a demora no aperfeiçoamento regulatório para a comercialização varejista no ACL. A abertura de mercado, que deveria ter sido acompanhada por ajustes regulatórios prévios, foi feita sem o devido tempo para implementar as mudanças necessárias no setor varejista de comercialização de energia. Para o tribunal, essa medida deveria ter sido concluída antes de permitir o aumento de participantes no ACL, o que evitaria pressões adicionais sobre o mercado.
A recomendação do TCU é que o MME, em conjunto com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), elabore um plano de ação para suprir as lacunas regulatórias e técnicas identificadas durante a auditoria. Este plano deve incluir medidas para mitigar os riscos apontados e garantir que o processo de abertura do mercado livre de energia transcorra de forma equilibrada e benéfica para todos os participantes.