Relatório técnico aponta que crescimento acelerado das fontes eólica e solar, sem expansão proporcional da demanda e da infraestrutura, pressiona o sistema elétrico e eleva o risco de curtailment nos próximos anos
O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) divulgou um relatório técnico inédito que lança luz sobre um tema cada vez mais sensível para o setor elétrico brasileiro: o aumento dos cortes de geração de energia, especialmente de fontes renováveis, fenômeno conhecido no setor como curtailment.
O estudo, elaborado como parte das ações do Grupo de Trabalho (GT) Cortes de Geração, coordenado pelo Ministério de Minas e Energia (MME), traz uma análise aprofundada da situação atual, das causas estruturais do problema e das projeções para o horizonte de 2026 a 2029.
Por que os cortes estão aumentando?
O relatório deixa claro que o avanço acelerado das fontes eólica e solar no Brasil, cuja expansão tem sido bem mais rápida do que o crescimento da demanda por energia, está gerando um descompasso na operação do sistema. A consequência direta é o aumento do número de situações em que a geração precisa ser reduzida, seja por limitações na infraestrutura de transmissão, seja por excesso de oferta em determinados momentos, principalmente nos períodos de alta geração solar durante o dia.
Além disso, o relatório destaca um fator técnico relevante: após eventos ocorridos em agosto de 2023, houve uma necessidade de atualização dos modelos matemáticos dos controladores de usinas eólicas e fotovoltaicas. Esses ajustes foram necessários para refletir com mais precisão o comportamento real das usinas, especialmente em situações de estresse do sistema.
Com a atualização, foi identificada uma redução na capacidade de escoamento do sistema, evidenciando uma insuficiência no desempenho dinâmico das fontes renováveis. Isso obrigou o ONS a intensificar os cortes de geração para preservar a segurança operativa e a estabilidade elétrica, em consonância com os critérios dos Procedimentos de Rede.
Análise histórica e projeções futuras
O relatório também consolida uma análise histórica dos cortes aplicados às gerações eólica e fotovoltaica. Uma análise semelhante sobre cortes em usinas hidrelétricas está em desenvolvimento e será divulgada em breve.
Para o período entre 2026 e 2029, as projeções indicam que a tendência é de aumento no volume de curtailment por razões energéticas, ou seja, em momentos em que a geração disponível, especialmente de fontes renováveis, excede a demanda do sistema.
O documento ressalta que a situação pode se agravar com a entrada de novos empreendimentos de geração renovável, muitos dos quais já possuem contratos firmados para uso da rede de transmissão. A expansão desse parque gerador, sem uma resposta proporcional na demanda ou na infraestrutura de transmissão e armazenamento, tende a aumentar a frequência e a magnitude dos cortes.
Soluções e recomendações
Para enfrentar esse cenário, o ONS propõe uma série de medidas estruturais e regulatórias. Entre elas, estão:
- Avanço na controlabilidade dos geradores distribuídos, permitindo que esses também sejam gerenciados pelo operador do sistema;
- Revisão dos marcos regulatórios e das políticas públicas, visando distribuir responsabilidades de forma mais eficiente entre os agentes do setor;
- Aprimoramento das regras operativas, com foco na eficiência alocativa, na estabilidade do sistema e na continuidade do suprimento elétrico;
- Incentivo à expansão do armazenamento de energia, que pode mitigar os impactos do excesso de geração em determinados horários;
- Planejamento coordenado para expansão da infraestrutura de transmissão, reduzindo gargalos que limitam o escoamento da energia gerada.
“O relatório foi desenvolvido com base em dados técnicos robustos e visa aprimorar a transparência, a segurança elétrica e a gestão da operação diante das transformações em curso no setor”, destaca Marcio Rea, diretor-geral do ONS.
Ele acrescenta que “o estudo mostra como a projeção do curtailment futuro está diretamente ligada à evolução do parque gerador. Com esses dados, podemos buscar soluções adequadas para os desafios dos próximos anos”.
Já Alexandre Zucarato, diretor de Planejamento do ONS, reforça a importância de uma revisão ampla do marco regulatório: “É necessário evoluir para garantir equilíbrio, eficiência operacional e segurança, especialmente com a crescente participação da geração distribuída e das renováveis no mix energético nacional”.
Diálogo aberto com o setor e a sociedade
O ONS também se coloca à disposição para debater o relatório com agentes do setor elétrico, associações, entidades setoriais e a sociedade civil. O objetivo é construir soluções colaborativas que assegurem a sustentabilidade da transição energética no Brasil, preservando a segurança do sistema e garantindo o atendimento à demanda de forma eficiente e resiliente.
O relatório completo já está disponível para consulta pública e servirá de base para discussões estratégicas sobre o futuro do sistema elétrico brasileiro.