Durante Conferência da ONU sobre os Oceanos, em Nice, governo brasileiro defende integração dos mares às metas climáticas e propõe reduzir exploração de petróleo e gás no mar
Em um gesto considerado simbólico, mas carregado de potencial impacto, o Brasil apresentou nesta semana, durante a Conferência da ONU sobre os Oceanos (UNOC), realizada em Nice, a proposta da chamada “NDC Azul”. A iniciativa pretende elevar o protagonismo dos ecossistemas marinhos na formulação das metas climáticas nacionais — as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) — e inclui um compromisso ousado: a eliminação gradual da produção de petróleo e gás offshore.
O anúncio foi feito pela ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, durante evento conjunto entre os governos do Brasil e da França, que também contou com o apoio de organizações da sociedade civil e fundações internacionais voltadas à agenda oceânica.
A proposta brasileira ocorre no contexto dos 10 anos do Acordo de Paris, e visa reposicionar os oceanos não apenas como vítimas das mudanças climáticas, mas como aliados estratégicos na mitigação da crise ambiental global. Países como Austrália, Fiji, Quênia, México, Palau, Seychelles e França endossaram a iniciativa.
“Este é um momento decisivo na nossa jornada coletiva para proteger o oceano e responder à crise climática global”, declarou Marina Silva. A ministra reiterou a intenção do Brasil de levar o tema ao centro das discussões da COP30, que será realizada em Belém do Pará, em novembro de 2025.
Compromisso climático x exploração na Amazônia
Embora o anúncio represente uma sinalização importante em direção à transição energética e descarbonização, movimentos sociais e ambientalistas alertam para incoerências entre o discurso internacional e a prática doméstica do governo federal.
Representantes de organizações indígenas e ambientais criticaram a tentativa do Brasil de aprovar novas licenças de exploração de petróleo na costa amazônica, mesmo sem consulta prévia aos povos tradicionais. Para Luene Karipuna, coordenadora da APOIANP (Articulação dos Povos Indígenas do Amapá e Norte do Pará), o posicionamento é contraditório.
“Não adianta querer ser líder climático só no discurso – as ações precisam ser concretas e coerentes. Por que o Brasil quer explorar petróleo nas águas costeiras da Amazônia, ignorando os impactos e as comunidades indígenas que vivem ali?”, questionou.
A crítica é reforçada por Bruna Campos, coordenadora do Center for International Environmental Law (CIEL), que afirmou que, embora a retórica do Brasil seja positiva, o país precisa abandonar qualquer nova autorização para exploração offshore.
“Palavras precisam ser acompanhadas de ação. Se o governo defende a eliminação gradual, nenhuma nova licença deve ser concedida, e as atividades existentes precisam ser revistas”, argumentou.
Oceano como ativo climático e econômico
A proposta da NDC Azul visa transformar a forma como os oceanos são tratados nas políticas públicas, destacando não apenas seu papel como sumidouros de carbono, mas também seu potencial para oferecer soluções baseadas na natureza, como reflorestamento de manguezais, conservação de recifes de corais e proteção de áreas marinhas.
Na prática, a inclusão do oceano nas NDCs poderá influenciar diretamente decisões sobre licenciamento ambiental, exploração de petróleo e gás offshore, pesca sustentável e zonas de exclusão marinha, com potencial impacto sobre a matriz energética brasileira, historicamente dependente de combustíveis fósseis em alto-mar.
Segundo especialistas, a mudança de paradigma proposta pelo Brasil pode acelerar a transição para fontes renováveis — como eólica offshore e marés — e fomentar a criação de políticas mais alinhadas com a meta global de neutralidade de carbono até 2050.
De Nice a Belém: rumo a uma nova governança climática
A expectativa é que, até a COP30, o Brasil avance na construção de um novo eixo de governança climática que una florestas e oceanos como pilares da ação ambiental. O país já começou a implementar políticas públicas para a conservação de ecossistemas costeiros e marinhos, bem como iniciativas para integrar a proteção dos oceanos às metas nacionais.
“Já temos as soluções técnicas. O que falta é o compromisso ético com a preservação das fontes de vida do planeta”, concluiu Marina Silva, reforçando a importância de alinhar discurso e prática para garantir o sucesso da NDC Azul.