Consulta pública do MME expõe desafios na formação de preços e levanta debate sobre equilíbrio entre segurança energética e modicidade tarifária
O Ministério de Minas e Energia (MME) abriu, nesta semana, a Consulta Pública nº 186/2025 para discutir o nível de aversão ao risco adotado nos modelos computacionais que orientam a operação e a formação de preços do setor elétrico brasileiro. A iniciativa surge em meio a um contexto de crescente preocupação com a confiabilidade e os efeitos práticos desses modelos sobre os custos de energia para os consumidores.
O debate ganhou força após um episódio recente envolvendo a inserção da Usina Hidrelétrica (UHE) Canastra no deck de dados de junho. A partir dessa inclusão, o modelo Newave — principal ferramenta de planejamento energético de médio prazo — passou a projetar preços significativamente mais elevados, em torno de R$ 450/MWh, ante os R$ 300/MWh previstos sem a participação da usina. O caso causou perplexidade entre os agentes do setor, uma vez que a entrada de um novo ativo de geração, especialmente de pequeno porte, deveria, em tese, reduzir ou suavizar os preços, e não elevá-los de forma expressiva.
“Os agentes perceberam um contrassenso, já que o incremento de energia disponível no sistema deveria pressionar para baixo o preço, e não o contrário”, observa Fred Menezes, diretor de Trading da Armor Energia. Diante da inconsistência, a UHE Canastra foi retirada do deck utilizado para as projeções subsequentes, mas a situação revelou fragilidades importantes nos parâmetros de modelagem utilizados atualmente.
Modelos computacionais e impactos tarifários
A formação de preços no setor elétrico brasileiro baseia-se em uma complexa cadeia de modelos computacionais, responsáveis por simular e otimizar a operação do Sistema Interligado Nacional (SIN). Entre eles, destaca-se o Newave, que foi revisado em 2025 para incorporar premissas mais conservadoras quanto à disponibilidade hídrica — movimento alinhado ao aumento da variabilidade climática e aos desafios impostos pela transição energética.
Essas premissas impactam diretamente modelos subsequentes, como o Decomp, que realiza simulações semanais, e o Dessem, orientado a operar em bases horárias. A interação entre esses modelos, no entanto, tem gerado importantes sinais de descompasso. Na segunda semana de maio, a diferença entre o preço horário calculado pelo Dessem e o valor projetado pelo Decomp chegou a aproximadamente R$ 70/MWh, evidenciando um descolamento preocupante para os agentes de mercado e formuladores de políticas públicas.
A adoção de um nível mais elevado de aversão ao risco — cerne da consulta pública lançada pelo MME — tem efeitos concretos sobre a tarifa paga pelo consumidor. Caso os parâmetros anteriores, utilizados até 2024, ainda estivessem vigentes, o país possivelmente manteria o acionamento da bandeira tarifária verde, que indica condições favoráveis de geração e ausência de custos adicionais. Contudo, desde maio, com o novo modelo em vigor, as tarifas passaram a incorporar custos extras, com o acionamento da bandeira amarela e, atualmente, da vermelha patamar 1.
A lógica do risco e os desafios para o setor
Segundo Menezes, o modelo atualmente em vigor busca preservar os níveis dos reservatórios das hidrelétricas, recomendando o acionamento de usinas termelétricas mesmo em um contexto de sobreoferta, impulsionado pela expansão das fontes renováveis, como solar e eólica. Essa lógica, no entanto, tem elevado os custos sistêmicos de geração, afetando diretamente a competitividade do setor e ampliando a pressão inflacionária.
“Esse cenário compromete a competitividade do setor e o desenvolvimento econômico nacional, pois gera uma espiral inflacionária. Precisamos de sinais de preços confiáveis, mas também competitivos e adequados ao mix de geração que temos hoje”, destaca Menezes, referindo-se à crescente complementariedade entre fontes renováveis e à necessidade de uma modelagem mais ajustada à realidade atual do sistema elétrico brasileiro.
Além disso, a elevação artificial dos preços impacta diretamente setores altamente sensíveis ao custo da energia, como os data centers, cuja instalação e operação dependem de tarifas previsíveis e competitivas. Para a Armor Energia, esse é um ponto crítico que precisa ser considerado na definição dos parâmetros que orientam os modelos computacionais.
Consulta pública como oportunidade de revisão
A Consulta Pública nº 186/2025 representa, portanto, uma oportunidade estratégica para o setor elétrico nacional refletir sobre os rumos da modelagem de risco e os efeitos dessa abordagem sobre a modicidade tarifária e a segurança energética. A Armor Energia pretende apresentar contribuições ao MME, defendendo uma reavaliação dos modelos com foco na eficiência econômica, na racionalidade técnica e na busca de um equilíbrio mais adequado entre segurança energética e custos para o consumidor.
“Não podemos penalizar os consumidores nem travar o ambiente de negócios em função de modelos que não traduzem adequadamente a realidade do sistema. É preciso garantir eficiência e racionalidade, preservando ao mesmo tempo a segurança energética e a competitividade”, conclui Menezes.
O debate sobre a aversão ao risco e os parâmetros de modelagem será fundamental para o aperfeiçoamento do planejamento energético brasileiro. A expectativa é que, a partir das contribuições recebidas na consulta pública, o MME e os órgãos reguladores possam ajustar as diretrizes, garantindo maior estabilidade, previsibilidade e competitividade para o setor elétrico e, consequentemente, para toda a economia nacional.