Por Fernanda Brandão, coordenadora de Relações Internacionais da Faculdade Mackenzie Rio
No dia 21 de maio, o Senado brasileiro aprovou o projeto de lei que ficou conhecido como a “PL da devastação”, pois altera as leis de licenciamento ambiental do país e é vista por especialistas como um retrocesso em termos legislativos em torno da questão ambiental. A aprovação desse projeto acontece no ano em que o Brasil receberá, em novembro, a Conferência das Partes da ONU (COP 30) em Belém. A Conferência é vista como mais uma instância em que o Brasil busca renovar seu protagonismo e sua liderança em torno da
cooperação multilateral para questões ambientais e mudanças climáticas, fortalecendo o papel do Brasil como uma importante potência emergente no contexto global.
O Brasil, desde a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, ou RIO-92, tem ocupado um papel de protagonismo e liderança no regime ambiental multilateral. Por ser um país cuja matriz energética é majoritariamente limpa, o Brasil se destaca como um ator no âmbito das discussões das questões ambientais e climáticas. Contudo, olhando para eventos como a aprovação da “PL da devastação” fica evidente que a posição brasileira de liderança em questões ambientais é marcada por contradições resultantes do jogo de interesses de setores importantes da economia nacional. A PL em questão, por exemplo, é apoiada por produtores ruralistas uma vez que a flexibilização das regras de licenciamento ambiental pode favorecer a expansão das atividades desse setor.
Esse não é o único exemplo recente em que a posição externa do país contradiz com o avanço de leis e normas no âmbito doméstico. Em janeiro de 2024, carros elétricos estrangeiros passaram a ter uma cota de importação, o que limita a quantidade de carros elétricos estrangeiros que poderiam ser importados com isenção tarifária, e o excedente de carros elétricos importados for a da cota seriam submetidos a tarifas que chegariam a 35%. Os carros elétricos são uma forma de reduzir as emissões de CO2 resultantes da queima de combustíveis fósseis e um preço acessível contribui para que haja uma mudança efetiva no padrão de consumo de automóveis da população brasileira. A imposição de tarifas de importação torna esses carros mais caros e remove o incentivo para que sejam preferidos a automóveis movidos a diesel ou gasolina. Nesse caso, o motivo para a tarifação foi a demanda das montadoras brasileiras diante da competição com os carros elétricos estrangeiros.
Eventos como os mencionados acima, afetam negativamente a imagem do Brasil como líder na cooperação ambiental multilateral no âmbito internacional, levantando questionamentos sobre a autoridade e legitimidade do país em buscar esse protagonismo no âmbito externo. Contudo, esses eventos revelam o complexo jogo de interesses que dificultam os avanços em torno das questões ambientais e o alcance de compromissos e metas mais ambiciosos em torno dessas questões. Ao mesmo tempo em que há preocupação com a questão ambiental, as questões econômicas se impõem como prioridades, principalmente no caso de um país em desenvolvimento como o Brasil. Esse dilema é comum a todos os países. Os conflitos de interesse entre setores econômicos importantes para o PIB de um país e as metas de contenção das mudanças climáticas criam contradições inerentes a esse processo.
Além dos dilemas domésticos, o cenário internacional marcado por competição e conflito cria empecilhos e dificuldades para a cooperação no âmbito multilateral, inclusive em temas ambientais, uma vez que questões de segurança e econômicas se impõem como a prioridade do dia. Medidas efetivas para lidar com as questões das mudanças climáticas não podem ser tomadas apenas no âmbito unilateral, mas precisam ser adotadas em cooperação e de forma coordenada entre os diferentes países. O desafio para a COP 30 é grande e para que o Brasil tenha maior legitimidade para exercer um papel de liderança no âmbito multilateral de cooperação em torno das questões climáticas é preciso desenvolver um modelo nacional de desenvolvimento sustentável, que leve em consideração não apenas as demandas impostas pelas mudanças climáticas, mas também as questões econômicas e sociais que se impõem como prioridade para um país em desenvolvimento.