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Novo PAC ignora realidades da Amazônia e compromete infraestrutura sustentável, aponta análise do CPI/PUC-Rio

Estudo revela que o programa repete falhas históricas ao desconsiderar vulnerabilidades locais, priorizar projetos de alto impacto ambiental e negligenciar regiões com maior déficit de infraestrutura

O lançamento da nova edição do Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC) pelo governo federal, em agosto de 2023, gerou expectativas em torno de uma retomada estratégica dos investimentos em infraestrutura no Brasil, alinhando crescimento econômico e sustentabilidade. Contudo, uma análise aprofundada do Climate Policy Initiative da PUC-Rio (CPI/PUC-Rio), em parceria com o projeto Amazônia 2030, alerta para a ausência de uma visão territorial estruturada e sustentável no que se refere à aplicação desses recursos na região amazônica.

O estudo, intitulado “A Amazônia no Novo PAC: Recomendações para Impulsionar a Infraestrutura Sustentável”, levanta preocupações sobre a ineficiência do programa ao contemplar a Amazônia Legal com investimentos desarticulados, concentrados em regiões que não necessariamente representam as áreas de maior carência, e que, em muitos casos, podem agravar os impactos ambientais e sociais.

Descompasso entre necessidade e investimento

Segundo o levantamento, o Novo PAC carece de critérios consistentes para a seleção de projetos na Amazônia, o que leva à manutenção de um padrão histórico de investimentos que ignora desigualdades regionais e falha em promover melhorias efetivas para a população local. Os estados do Acre e Amapá, por exemplo, continuam sendo negligenciados, apesar de registrarem alguns dos piores indicadores de infraestrutura do país.

“Os investimentos continuam sendo pensados de fora para dentro da Amazônia. É preciso desenvolver infraestrutura com foco na realidade local, respeitando a diversidade regional e promovendo oportunidades para a população que vive na floresta, nas áreas urbanas e nas zonas de transição”, alerta o documento.

Além disso, a análise critica a falta de sinergia entre o Novo PAC e metas ambientais estratégicas, como as previstas no Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). A ausência de um planejamento integrado pode inviabilizar os objetivos de combate ao desmatamento e de promoção de uma economia de baixo carbono.

Projetos de alto impacto ambiental persistem

Dois projetos específicos foram citados como exemplos emblemáticos do descompasso entre desenvolvimento e sustentabilidade: o asfaltamento da BR-319 e a construção da Ferrogrão. Ambas as iniciativas envolvem áreas de floresta densa e ainda preservada, que poderiam ser severamente impactadas pela construção de grandes obras sem a devida avaliação de alternativas mais sustentáveis.

A análise propõe que, em vez de ampliar a malha rodoviária em áreas sensíveis, o governo deveria priorizar corredores logísticos em zonas já desmatadas, onde o impacto socioambiental tende a ser menor. Esse redirecionamento exigiria aprimoramento técnico de Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) e maior rigor na análise das áreas de influência de cada projeto.

Reequilíbrio regional e soluções descentralizadas

Outro ponto relevante da pesquisa diz respeito à distribuição desigual dos investimentos em conectividade digital. Estados como Roraima, Rondônia, Acre e Amapá continuam ocupando as últimas posições no acesso à internet e infraestrutura de telecomunicações, o que evidencia a urgência de ações específicas para reduzir esse déficit e garantir inclusão digital para populações urbanas periféricas e comunidades isoladas.

No que se refere ao saneamento básico, o estudo identifica uma grave disparidade na cobertura entre os estados. Municípios do Amapá, Acre e Amazonas, por exemplo, permanecem entre os piores indicadores do país. Nesse contexto, o estudo sugere que o Novo PAC invista em soluções de baixo custo e implementação rápida, como fossas sépticas, capazes de melhorar significativamente as condições sanitárias em áreas desassistidas, mesmo na ausência de redes públicas completas.

Energia limpa como eixo estratégico

A matriz energética é outro eixo fundamental analisado pelo CPI/PUC-Rio e o Amazônia 2030. A avaliação destaca que o foco atual do Novo PAC em termoelétricas movidas a gás natural contraria os objetivos de descarbonização e ignora as possibilidades da geração descentralizada por fontes renováveis na Amazônia.

Dentre as recomendações, está o incentivo a projetos de energia solar e eólica adaptados ao contexto amazônico, bem como o fortalecimento da geração distribuída para garantir o acesso à energia limpa, especialmente em comunidades isoladas. Isso não apenas contribui para a redução das emissões de gases de efeito estufa, mas também melhora a resiliência energética da região frente a desafios logísticos e climáticos.

Recomendação de um plano estratégico para a Amazônia

A análise conclui com a proposta de criação de um plano específico de desenvolvimento sustentável para a Amazônia, com metas claras, soluções sob medida e maior participação social nos processos decisórios. O documento propõe a segmentação do território amazônico em três grandes zonas — Amazônia Florestal, Desmatada e Sob Pressão — para que os investimentos possam ser direcionados de forma mais eficaz e responsável.

Além disso, a transparência nos critérios de escolha dos projetos e a qualificação técnica dos gestores públicos são apontados como fatores cruciais para que o Novo PAC cumpra seus objetivos sem reproduzir os erros do passado.

Considerações finais

A crítica construtiva apresentada pelo CPI/PUC-Rio e o projeto Amazônia 2030 oferece uma contribuição relevante para o debate sobre infraestrutura sustentável no Brasil. Ao apontar falhas estruturais no Novo PAC, os autores não apenas evidenciam riscos de retrocesso ambiental e social, como também oferecem caminhos concretos para que os investimentos possam ser otimizados com base em critérios técnicos, ambientais e de justiça territorial.

Se o país pretende consolidar uma trajetória de crescimento sustentável, com inclusão social e respeito à biodiversidade, será indispensável que programas como o Novo PAC estejam alinhados a uma visão estratégica, descentralizada e integrada da Amazônia. Sem isso, os bilhões de reais em investimentos poderão ampliar desigualdades, acelerar o desmatamento e comprometer a credibilidade do Brasil perante a comunidade internacional.

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