Lideranças do setor energético alertam, durante o Seminário de Gás Natural do IBP, que a insegurança institucional compromete a expansão de projetos e a competitividade do gás natural como âncora da transição energética
A expansão dos investimentos em gás natural no Brasil esbarra em um velho e conhecido entrave: a insegurança fiscal, regulatória e jurídica. Durante o Seminário de Gás Natural 2025, promovido pelo Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) no Rio de Janeiro, executivos de grandes empresas e representantes de órgãos públicos reforçaram a necessidade de maior estabilidade institucional para que o país se torne efetivamente atrativo ao capital nacional e estrangeiro no setor energético.
Rodrigo Soares, CEO da Shell Energy Brasil, foi direto ao ponto: “A indústria precisa ter a certeza de que conseguirá honrar os compromissos assumidos com seus acionistas. Sem previsibilidade, não há como planejar investimentos robustos e duradouros”. Segundo ele, a empresa – que opera no país há mais de um século e hoje é a segunda maior produtora de gás natural no Brasil – acredita no potencial nacional, mas vê na regulação ainda um obstáculo a ser vencido.
Para Soares, o país avançou na diversificação de agentes no mercado, saindo de um modelo monopolista para um ambiente mais competitivo. Contudo, ele defende uma maior harmonização regulatória entre os estados e o governo federal. “É preciso uniformizar regras e contratos. O IBP tem sido fundamental nessa agenda, mas ainda temos um longo caminho pela frente”, afirmou. A Shell, segundo ele, já confirmou o investimento no campo de Gato do Mato, no pré-sal da Bacia de Santos, e defende a realização do leilão de capacidade, adiado pelo Ministério de Minas e Energia, como instrumento essencial para reduzir a volatilidade no mercado de energia.
Outro ponto destacado foi o biometano. A Shell pretende integrar essa fonte renovável ao seu portfólio, como resposta à busca por matrizes mais limpas.
Planejamento e transparência: eixos do investimento em infraestrutura
O painel “Conectando a oferta com a demanda” trouxe à tona outro desafio central: a ausência de dados concretos e transparentes sobre infraestrutura. Heloisa Borges, diretora da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), destacou que a carência de informações integradas com as demandas da população inibe a atratividade do setor. Ela anunciou que o Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano (PNIIGB) seguirá em consulta até dezembro de 2025.
Representando a Repsol Sinopec, Andrés Sannazzaro reforçou que a insegurança jurídica é hoje o maior risco na cadeia do gás, principalmente no segmento de exploração e produção (upstream). A empresa, que já investiu mais de US$ 6,7 bilhões no Brasil, lidera o projeto Raia, seu maior aporte financeiro no país.
Do lado da infraestrutura de transporte, Erick Portela Pettendorfer, CEO da NTS, lembrou que a malha logística é o elo que interliga toda a cadeia. “O transporte não é o problema, é a solução. Planejar bem é entender a dinâmica da oferta e da demanda para os próximos 10 e 20 anos”, afirmou. Já Juliana Rodrigues, da ABRACE, apontou a necessidade de mais transparência no acesso às informações das infraestruturas e atenção ao papel das térmicas no modelo de transporte.
Ambiente regulatório ainda fragiliza confiança do investidor
No painel sobre regulação, a diretora da ANP, Symone Araújo, defendeu que o papel da agência é garantir segurança jurídica, e não o contrário. “O transporte é um monopólio natural e, por isso, exige regulação diferenciada que evite barreiras à entrada de novos agentes”, argumentou.
Adrianno Lorenzon, do Conselho de Usuários (CdU), destacou os avanços nas negociações com transportadoras e com a ATGÁS. Ele reforçou que simplificar contratos, revisar tarifas e ampliar a transparência são pontos cruciais para dar segurança ao investidor. Helder Ferraz, diretor da NTS, acrescentou que a revisão da Resolução 15 da ANP é fundamental para construir um mercado mais atrativo.
Encerrando o painel, Ovídio Quintana, da TAG, apontou que o preço do gás ainda é um entrave. “Para reduzir custos e preços, precisamos de infraestrutura. E isso depende de regulação estável e investimentos previsíveis”.
Reforma tributária e o risco da monofasia
O modelo tributário brasileiro também foi alvo de críticas. Rodrigo Novo, da Origem Energia, alertou para o impacto inflacionário da monofasia sobre o gás natural. Segundo estudo da FGV Energia, quase R$ 9 bilhões podem ser acumulados em créditos, que poderiam ser revertidos em investimentos. “Esse regime pode inviabilizar o uso do gás natural como âncora da transição energética”, disse.
Frederico Pereira, da Galp, enfatizou que a reforma tributária trouxe incertezas sobre ICMS, imposto seletivo e alíquotas, comprometendo a viabilidade de novos empreendimentos. Priscila Torres, da TAG e ATGás, destacou que a nova Lei Complementar 214/2025 avança em direção ao modelo proposto pelo marco do gás de 2021, mas requer ajustes durante o período de transição até 2032.
Conclusão
O Seminário de Gás Natural 2025 escancarou o que os investidores vêm dizendo há anos: o Brasil tem potencial, mas carece de um ambiente de negócios mais previsível. A falta de segurança jurídica, o modelo tributário instável e a fragmentação regulatória impedem que o país aproveite plenamente seu papel estratégico na transição energética global.