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COP30 expõe entraves no financiamento climático: Brasil pode liderar, mas enfrenta barreiras estruturais e cambiais

Falta de vontade política, burocracia e risco cambial travam recursos para países em desenvolvimento; especialistas veem Brasil como protagonista em potencial, desde que haja planejamento de longo prazo

À medida que o Brasil se prepara para sediar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em novembro de 2025, em Belém (PA), um tema continua a assombrar o debate climático global: o acesso limitado e desigual ao financiamento climático por países em desenvolvimento. Apesar da retórica inclusiva que marca os fóruns internacionais, os recursos prometidos para apoiar a transição verde nas economias mais vulneráveis permanecem escassos, burocratizados e, muitas vezes, distantes da realidade local.

A crítica foi central no estudo Top Trends COP30, desenvolvido pela Ideia Sustentável, empresa especializada em ESG, com a colaboração de 18 especialistas e sob a coordenação de Ricardo Voltolini, um dos nomes mais influentes em sustentabilidade corporativa no Brasil. O levantamento identifica 22 tendências e desafios que devem pautar os debates da conferência, com destaque para temas como redução de emissões, justiça climática, financiamento e energia renovável.

Segundo Julio Carepa, especialista em financiamento climático e um dos autores do estudo, o discurso global não tem se refletido em prática concreta. “Todo mundo quer ser pai de um filho bonito. Fala-se muito em inclusão e oportunidade, mas os recursos continuam exíguos, mal repartidos e guiados por critérios que nem sempre priorizam quem mais precisa”, afirma.

Modelos sofisticados e distantes da realidade

Carepa alerta para o fato de que muitos dos instrumentos hoje disponíveis são tecnicamente complexos, o que dificulta sua aplicação em países com menor capacidade técnica e institucional. “Existem metodologias tão sofisticadas que inviabilizam a implementação prática, como ocorre com alguns modelos de crédito de carbono. Falta pragmatismo e sobra formalismo. E, sem compromisso real, corremos o risco de transformar essa agenda em uma vitrine cosmética”, critica.

A crítica vai ao encontro de um dos desafios estruturais mais relevantes do atual sistema: a incompatibilidade entre as exigências dos financiadores internacionais e as condições operacionais dos países que mais precisam de apoio. Essa desconexão se traduz em entraves técnicos, operacionais e, sobretudo, cambiais.

Riscos cambiais: a armadilha do dólar

Boa parte dos fundos climáticos é oferecida em moedas fortes, como o dólar, o que representa um risco adicional para projetos que operam em moedas locais, como o real. “Isso encarece as soluções, gera instabilidade nos fluxos de caixa e desincentiva a adoção de tecnologias verdes, sobretudo em setores como agricultura e energia”, afirma Carepa.

Para Luzia Hirata, especialista em investimentos sustentáveis do Santander Asset Management, o cenário político instável e o lobby econômico de setores resistentes à transição verde também dificultam a mobilização de recursos. “Reduzir emissões custa caro, impacta produtividade e mexe no retorno financeiro das empresas. Sem um ambiente político claro e transparente, os investidores hesitam em comprometer capital em projetos sustentáveis”, observa.

Brasil: potência verde com planejamento frágil

Apesar das dificuldades, o Brasil se destaca como protagonista em potencial na corrida por soluções sustentáveis. O país reúne fontes renováveis abundantes, uma das maiores biodiversidades do planeta e setores estratégicos, como agricultura e reflorestamento, com alto potencial de transformação.

No entanto, os especialistas alertam que a vantagem natural não basta. É preciso desenvolver modelos de governança, visão de longo prazo e capacidade técnica para estruturar projetos robustos, confiáveis e alinhados aos critérios internacionais.

“Temos condições de liderar, mas precisamos adaptar os instrumentos de financiamento à nossa realidade operacional e garantir que os projetos sejam perenes e integrados com os impactos sociais e ambientais”, diz Luzia Hirata. “Sem planejamento de longo prazo, o protagonismo se dilui.”

Geopolítica e contradições da agenda climática

Outro ponto levantado pelos especialistas é a disparidade global entre os investimentos em armamentos e os destinados à crise climática. “Enquanto vemos trilhões sendo direcionados para a indústria bélica, o financiamento climático continua limitado, fragmentado e pouco efetivo. É uma contradição alarmante”, critica Luzia.

A COP30 surge, portanto, como uma oportunidade estratégica para o Brasil não apenas mostrar sua força diplomática, mas também para propor ajustes no modelo de financiamento climático global, pressionando por mais simplicidade, acesso e impacto real nos territórios mais vulneráveis.

“Não basta mobilizar mais recursos. É preciso redesenhar os mecanismos de repasse, adaptar modelos técnicos, acelerar a formação de capacidades locais e garantir que o apoio internacional seja efetivo. O Brasil pode liderar esse movimento se fizer a lição de casa”, conclui Carepa.

Conclusão: do discurso à prática

A menos de dois anos da COP30, o Brasil se vê diante de um cenário ambíguo: de um lado, o prestígio de sediar o principal evento climático do planeta; de outro, os desafios internos de traduzir discurso em ação concreta.

A liderança climática que o Brasil almeja exige mais do que protagonismo simbólico. Exige capacidade institucional, projetos bem estruturados, adaptação dos modelos internacionais à realidade local e, acima de tudo, vontade política para enfrentar resistências e conduzir uma agenda de transição energética inclusiva, estratégica e financeiramente viável.

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