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Abertura Total do Mercado Livre de Energia até 2028: Avanço Inédito ou Desafio Regulatório?

Proposta do MME sinaliza nova era para o setor elétrico brasileiro; CEO da Voltera Energia analisa impactos, riscos e oportunidades dessa transição

Com a recente proposta do Ministério de Minas e Energia (MME), o Brasil se aproxima de uma transformação estrutural no setor elétrico. Prevista para ocorrer até 2028, a abertura total do mercado livre de energia promete reconfigurar as relações entre consumidores, geradores, comercializadoras e distribuidoras. A consulta pública lançada pelo MME não apenas propõe o cronograma de liberalização do mercado, mas também aborda temas críticos como o fim dos subsídios cruzados, mudanças no regime de autoprodução, a reformulação da tarifa social e a modernização das regras tarifárias.

Em entrevista exclusiva, o CEO da Voltera Energia, Alan Henn, destaca que a proposta representa um avanço necessário rumo a um mercado mais competitivo e transparente, mas ressalta que sua implementação exigirá amadurecimento regulatório, investimentos em tecnologia e, sobretudo, educação do consumidor.

Para Henn, a abertura do mercado não deve ser tratada apenas como uma medida econômica, mas como uma profunda reformulação institucional. “Estamos diante de uma oportunidade histórica para tornar o setor mais eficiente e justo, mas isso só será possível se houver clareza nas regras, isonomia na competição e foco na inclusão dos pequenos consumidores”, afirma.

Ao longo desta matéria, você confere a análise detalhada de Alan Henn sobre os principais pontos da proposta do governo, os desafios para garantir segurança jurídica e os caminhos possíveis para transformar o mercado de energia em um ambiente verdadeiramente livre, competitivo e sustentável.

A proposta do MME estabelece a abertura total do mercado livre de energia até 2028. Como o senhor avalia esse cronograma? O setor está preparado, do ponto de vista regulatório e operacional, para essa transição em larga escala?

A proposta de reforma do setor elétrico apresentada pelo governo representa um avanço necessário e há muito tempo esperado.

Vemos com bons olhos o esforço de modernização e a tentativa de construir um modelo mais transparente, eficiente e sustentável. A consulta pública trouxe à tona temas importantes e que devem ser tratados com prioridade como abertura de mercado, que é fundamental para destravar o potencial do setor nos próximos anos.

Apesar disso, é essencial que as mudanças sejam feitas com equilíbrio e clareza regulatória.

A reforma precisa caminhar junto com o fortalecimento institucional dos órgãos reguladores e com investimentos em tecnologia e estrutura por parte dos agentes envolvidos. Sendo assim, ela pode ter uma participação maior de todos os agentes para que seja possível ter uma discussão ampla e profunda sobre os temas propostos

Por se tratar de um modelo comercial similar ao da já existente geração distribuída, entendemos que é possível sim realizar uma abertura estruturada, tanto do ponto de vista regulatório como operacional.

Um dos pilares da proposta é a eliminação gradual de subsídios cruzados. Na prática, quais serão os impactos dessa medida para consumidores cativos e para os agentes do mercado livre?

Embora não amplamente explicada, a eliminação de subsídios cruzados é fundamental para equalização dos custos e uma distribuição mais justa para todos os consumidores, seja para aqueles que optarem entrar no mercado livre, seja para aqueles que optarem permanecer no mercado regulado.

Hoje existem encargos que são pagos por todos os consumidores e os benefícios recaem apenas para os consumidores livres, entendemos que a maneira correta para evolução do mercado é que a alocação dos custos tenha participação de todos.

A reformulação da tarifa social foi apontada como necessária para garantir justiça tarifária. Quais os riscos e oportunidades envolvidos nessa mudança, especialmente para as famílias de baixa renda?

Entendemos ser positiva a tentativa de padronizar critérios da tarifa social e aumentar o limite de consumo para acesso à isenção. Isso pode promover justiça econômica, tornando o benefício mais acessível e justo, desde que aplicado de forma clara e transparente.

No entanto, é importante alertarmos para o desafio da comunicação e entendimento por parte da população.

Também não está claro se esse subsídio seria feito via tarifa (onde os outros consumidores pagariam essa parcela) ou se via tesouro nacional, sem onerar as tarifas dos consumidores.

No que se refere à autoprodução, a proposta sugere mudanças importantes no modelo atual. O senhor acredita que essas alterações podem comprometer a atratividade desse segmento? Que tipo de equilíbrio regulatório seria desejável?

Sim, as mudanças propostas irão restringir o número de consumidores aptos a adotar o regime de autoprodução por equiparação. No nosso ponto de vista, a proposta deveria ser melhor discutida com a sociedade, e assim não passar uma mensagem de falta de segurança jurídica para potenciais investidores.

A questão da isenção dos encargos, por exemplo, deveria ser concedida apenas a consumidores que fazem a sua autoprodução no próprio local de consumo, sem uso da rede de transmissão e distribuição.

Quais são, na sua visão, os principais desafios regulatórios para garantir a competitividade no novo desenho de mercado proposto pelo MME? Há lacunas jurídicas que ainda precisam ser enfrentadas?

Existem alguns desafios regulatórios importantes que precisam ser enfrentados para garantir uma abertura de mercado saudável. Um deles é a isonomia de competição entre as comercializadoras, especialmente considerando o avanço das distribuidoras no mercado livre.

É fundamental garantir que todas as empresas tenham as mesmas condições de atuação, sem favorecimentos.

Outro ponto crítico é a padronização dos processos de migração entre distribuidoras. Hoje, cada uma tem seus próprios sistemas e fluxos, o que gera ineficiência e atrito na experiência do cliente. Além disso, precisamos de regras muito claras para a entrada de novos agentes, para evitar distorções e incertezas.

Também vejo com preocupação o risco de judicialização, principalmente se incentivos e contratos forem mal definidos. Por isso, o que a gente precisa, de fato, é de um ambiente regulatório com regras claras, transparentes e justas para todos os players do mercado. Esse é o caminho para uma abertura eficiente e sustentável.

A modernização das regras tarifárias foi destacada como essencial para refletir melhor os custos reais do sistema. Como isso pode afetar a previsibilidade das tarifas para os consumidores e os planos de negócios das distribuidoras?

A modernização, como a implementação de tarifas horárias, pode beneficiar os consumidores, permitindo uma gestão mais ativa do consumo e redução de custos, além de conseguir melhorar a demanda de energia em horários de picos.

Porém, é importante destacar a necessidade de preparo tecnológico e uma forte campanha de educação para que os consumidores compreendam e aproveitem as novas opções tarifárias. Para as distribuidoras, será necessário adaptar sistemas e infraestrutura, o que exige planejamento e investimentos.

A consulta pública também trata da governança do setor. Que tipo de avanços institucionais seriam necessários para fortalecer a atuação dos órgãos reguladores diante de um mercado mais aberto e complexo?

Entendemos que a CCEE tenha um papel mais ativo e fiscalizador, especialmente nas questões financeiras e operacionais que irão resultar na reforma do setor. É válida a ideia da entidade atuar como “clearing house” do setor, mas é importante reforçar que isso exigirá mudanças institucionais, definição de competências e recursos. É necessário também que Aneel, Ministério e Casa Civil atuem com coordenação e transparência, garantindo estabilidade e segurança jurídica para todos os agentes.

O grande desafio para os órgãos reguladores é simplificar e clarificar as regras que regem o mercado para garantir a agilidade e eficiência a todos os agentes. Essas duas ações são chave para desburocratizar o mercado, e também evitar judicialização.

Com a abertura total do mercado, a informação e a educação do consumidor tornam-se ainda mais estratégicas. Que tipo de iniciativas o setor privado e o governo deveriam adotar para preparar os consumidores para esse novo ambiente?

O consumidor da baixa tensão ainda não conhece o mercado livre e, portanto, a educação é fundamental.

São necessárias ações coordenadas entre governo e setor privado para informar, instruir e empoderar o consumidor, possibilitando escolhas conscientes e competitivas.

Existe ampla base de conhecimento de mercados maduros que passaram pelo mesmo processo, e o pilar da educação foi fundamental para fundamentar e consolidar o mercado livre.

Iniciativas como, simulações de tarifas e visibilidade do processo de migração devem ser simples para trazer transparência para o consumidor.

Qual o papel das comercializadoras independentes e das novas plataformas tecnológicas na consolidação de um mercado livre mais eficiente e inclusivo? Há espaço para inovação nesse processo?

As comercializadoras independentes têm papel fundamental para garantir diversidade de ofertas, inovação e um atendimento mais personalizado aos clientes. Acredito muito no papel das plataformas digitais e das automações nesses processos.

Elas facilitam o acesso de novos consumidores ao mercado livre e tornam o relacionamento com o cliente mais transparente e eficiente.

Na prática, essas ferramentas ajudam não só a reduzir barreiras de entrada, como também a oferecer uma experiência mais clara e ágil, que é exatamente o que o consumidor espera. Por isso, acredito que o papel das comercializadoras independentes será cada vez mais estratégico na democratização do acesso ao mercado livre de energia.

Por fim, como o senhor enxerga os impactos da proposta sobre os investimentos em energia renovável e sobre a sustentabilidade econômica do setor elétrico nos próximos anos?

Sou otimista quanto ao impacto positivo que a abertura do mercado e a modernização regulatória podem trazer para os investimentos em energia renovável. Mas acredito que o sucesso desta transição vai depender muito de como forem tratadas questões sensíveis como o fio, a autoprodução e os subsídios.

Um dos impactos da mudança do regime de autoprodução será a redução no ritmo de desenvolvimento de novos projetos, dado que muitos projetos estavam sendo desenvolvidos para atender a demanda de empresas que queriam fechar contratos neste modelo. Porém, como um dos objetivos da proposta é reduzir os montantes de subsídios existentes, acreditamos que a proposta é positiva para a sustentabilidade financeira do setor e a modicidade tarifária.

Para que o setor seja de fato sustentável no longo prazo, é essencial que a gente construa um modelo que ofereça previsibilidade, estabilidade regulatória e um retorno adequado para quem investe. Ao mesmo tempo, é fundamental garantir que esses custos não sejam transferidos de forma injusta para consumidores mais vulneráveis ou menos informados. A abertura precisa ser feita com responsabilidade e equilíbrio para beneficiar o setor como um todo.

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