Produção nacional, importações e mercado livre reforçam papel estratégico do insumo na indústria brasileira
O ano de 2025 marca um ponto de virada para o setor de gás natural no Brasil. Segundo avaliação da consultoria Mirow & Co., o país vivencia atualmente as melhores perspectivas de oferta dos últimos anos, impulsionado por uma combinação de fatores geopolíticos, logísticos e regulatórios que tornam o mercado mais competitivo e acessível. A tendência é que grandes consumidores industriais, como os dos setores químico, siderúrgico, cerâmico, papel e celulose, sejam os principais beneficiados por essa conjuntura favorável.
Entre os principais fatores que sustentam esse cenário está o aumento da oferta de gás natural liquefeito (GNL) no mercado internacional. A guerra entre Rússia e Ucrânia deslocou a demanda europeia para novos fornecedores, como os Estados Unidos, que aumentaram sua produção e exportação. O Brasil, por sua vez, ampliou sua capacidade de receber e regaseificar GNL com a construção de novos terminais, elevando seu potencial de processamento dos atuais 97 milhões de metros cúbicos por dia para 147 milhões até 2032.
Além disso, o país passa a contar com fontes alternativas na América do Sul. A produção excedente de gás natural do campo de Vaca Muerta, na Argentina, já está sendo direcionada ao Brasil via Bolívia, aproveitando o gasoduto Gasbol, com capacidade para transportar até 33 milhões de metros cúbicos por dia. O governo brasileiro também tem buscado ampliar a produção e o escoamento do gás boliviano para garantir maior segurança energética.
No cenário doméstico, a Petrobras projeta dobrar a produção de gás natural proveniente do pré-sal até 2032. Estima-se um incremento de 83 milhões de metros cúbicos por dia, com o maior salto esperado entre 2027 e 2028, segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). A conclusão de projetos de escoamento e a entrada de novos campos em operação serão decisivos para esse avanço.
Mercado livre e competitividade
O fortalecimento do mercado livre de gás natural também é um pilar essencial nessa transformação. Com a regulamentação da Nova Lei do Gás (Lei nº 14.134/2021), empresas passaram a negociar diretamente com os fornecedores, sem tabelamento de preços, o que proporciona maior flexibilidade contratual e redução de custos.
Em 2024, grandes companhias como a Vale aderiram a esse modelo, comprando diretamente cerca de 90% do gás consumido em suas operações. O movimento atraiu empresas de setores diversos, como mineração, cerâmica, alimentos e celulose.
“O setor de gás natural no Brasil deverá passar por um período de crescimento expressivo, com maior disponibilidade do insumo via produção nacional e importações. Além da oferta, a demanda também deverá crescer, contando com fatores de logística e comercialização mais flexível”, explica Felipe Diniz, sócio e líder da área de energia da Mirow & Co.
Apesar dos avanços, a consultoria destaca que ainda há subutilização das oportunidades. “As empresas ainda não estão extraindo todo o potencial desse ambiente. A logística é importante, mas o ponto central é o valor da flexibilidade contratual”, analisa Raoni Morais, consultor associado da Mirow & Co.
Expansão logística e interiorização do gás
Apesar de o Brasil ter ampliado sua produção nacional de gás em 7,3% ao ano desde 2010, a oferta líquida ao mercado não acompanhou esse crescimento, devido à alta taxa de reinjeção nos próprios poços — motivada pelo elevado teor de CO₂ no gás do pré-sal e pela limitação da infraestrutura de processamento.
Com o aumento da importação da Bolívia e da Argentina, estima-se que a capacidade ociosa do Gasbol possa ser reduzida, adicionando cerca de 15 milhões de metros cúbicos por dia à oferta nacional. Simultaneamente, a maior disponibilidade de GNL amplia a capacidade de marcar preços e estabilizar o mercado interno.
Essa nova configuração deve impulsionar também a interiorização do fornecimento de gás, com novas rotas logísticas, inclusive por caminhões, e a expansão da malha de gasodutos. Estima-se que apenas na região Sudeste exista um potencial inexplorado de consumo técnico de 15 milhões de metros cúbicos diários, distribuídos entre indústrias, usinas termelétricas e outros usos.
Transição energética e papel estratégico do gás
O gás natural, por ser uma fonte mais limpa que o carvão e o óleo combustível, tem papel estratégico como vetor da transição energética. Sua flexibilidade e capacidade de suprir demandas intermitentes tornam-no uma solução complementar às fontes renováveis como solar e eólica.
“A gestão energética que contempla gás é uma tendência no setor produtivo”, conclui Felipe Diniz, reforçando que o gás natural deve seguir como protagonista nas estratégias energéticas dos grandes consumidores brasileiros nos próximos anos.