Entidades do setor alertam para inconstitucionalidade e impactos econômicos do PL 6.234/2019, que pode onerar a geração de energia com cobrança de imposto municipal
A proposta do Projeto de Lei 6.234/2019, que tramita na Câmara dos Deputados e prevê a cobrança do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) em transferências de bens entre concessionárias de energia ao fim de seus contratos, acendeu o alerta entre os principais agentes do setor elétrico. O projeto, que avançou na pauta legislativa recentemente, é duramente criticado por entidades que veem risco de aumento de custos, impactos na tarifa de energia e questionamentos jurídicos.
Originalmente voltado para geradoras, transmissoras e distribuidoras, o texto passou por modificações na última quarta-feira (23), após pressão de entidades e especialistas do setor. A nova versão, relatada pelo deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), retirou a menção a distribuidoras e transmissoras, mantendo, porém, a exigência de registro cartorial obrigatório na transferência de bens entre geradoras, o que acarreta custos adicionais e a incidência de ITBI, tributo municipal tradicionalmente aplicado em transações de imóveis.
Questionamentos constitucionais e riscos de judicialização
Um dos principais argumentos contrários ao PL é sua possível inconstitucionalidade. A presidente da Abrage (Associação Brasileira de Geradores de Energia Elétrica), Marisete Dadald, defende que os bens envolvidos não podem ser considerados propriedade privada das concessionárias, uma vez que são reversíveis à União ao fim do contrato.
“O ITBI é cobrado quando há transferência de propriedade, o que não é o caso das concessões. Esses bens permanecem pertencendo ao poder concedente, e não às empresas concessionárias”, afirmou Dadald.
Ela também destacou que contratos de concessão preveem o repasse de tributos, excetuando os incidentes sobre renda — para a formação da tarifa de energia. Ou seja, qualquer custo extra gerado pelo ITBI seria, inevitavelmente, repassado ao consumidor, tanto no mercado regulado quanto no mercado livre de energia.
Custo maior, energia mais cara
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) também se posicionou de forma crítica ao projeto. Em nota técnica, a entidade alertou que a medida poderá levar à necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão, o que pode resultar em aumentos tarifários ou em litígios judiciais entre empresas e o poder público.
Além disso, a CNI pede que seja garantido, por via legislativa ou judicial, que a transferência direta entre concessionárias sucessoras não seja considerada como mudança de titularidade imobiliária. Isso porque, segundo a entidade, tais ativos são operacionais e reversíveis, pertencendo, ao fim da concessão, à União, e não às empresas que os operam.
Debate travado no Congresso
A expectativa era de que o projeto fosse votado no plenário da Câmara ainda nesta semana, conforme acordo sinalizado pelo presidente da Casa, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB). No entanto, divergências sobre o texto final e pressões de setores envolvidos inviabilizaram o acordo e a votação foi postergada.
Fontes apontam que há resistência crescente dentro da base parlamentar e entre especialistas do direito público, que consideram o PL como uma tentativa de criar nova base tributária à revelia do arcabouço constitucional vigente, além de representar interferência indevida na lógica das concessões federais.
O impasse evidencia um conflito entre os interesses de arrecadação municipal e a previsibilidade jurídica necessária para investimentos no setor elétrico. A possível judicialização do tema, inclusive, já se iniciou: segundo Marisete Dadald, ao menos uma empresa geradora levou o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF), alegando violação de cláusulas contratuais e princípios constitucionais.
Impacto direto no consumidor e na segurança jurídica
O desfecho da tramitação do PL 6.234/2019 será decisivo não apenas para os agentes econômicos, mas também para os consumidores de energia em todo o país. Caso aprovado como está, o projeto pode abrir precedente para novas cobranças tributárias sobre ativos federais e comprometer a segurança jurídica necessária à atração de investimentos em infraestrutura — especialmente em um momento em que o setor elétrico busca expandir fontes renováveis e ampliar a digitalização.