Levantamento global aponta necessidade de US$ 86 bilhões para infraestrutura sustentável, mas financiamento ainda é insuficiente
A urgência por financiamento climático nunca foi tão evidente. Um novo relatório do CDP – maior sistema global de divulgação ambiental – revela que 611 cidades, espalhadas por 75 países, identificaram 2.508 projetos voltados para infraestrutura sustentável e resiliência climática em 2024. O investimento necessário para viabilizar essas iniciativas já soma US$ 86 bilhões, um aumento de 23% em relação ao ano anterior.
Apesar do avanço na conscientização e no número de projetos reportados, a lacuna de financiamento segue preocupante. Estudos indicam que seriam necessários ao menos US$ 800 bilhões anuais até 2030 para que os governos nacionais e instituições financeiras conseguissem impulsionar a transformação urbana de maneira efetiva. No entanto, os recursos atualmente disponíveis estão muito aquém dessa meta, comprometendo o futuro das cidades, que enfrentam desafios cada vez mais intensos com eventos climáticos extremos.
Infraestrutura urbana sob ameaça
A dependência de financiamento externo é um dos grandes desafios para a implementação de projetos sustentáveis. O estudo aponta que 86% das iniciativas reportadas ainda buscam recursos ativos para sair do papel, enquanto 40% dos projetos em economias emergentes precisam de financiamento integral. Esses números indicam que, sem um apoio mais estruturado, principalmente nas regiões mais vulneráveis, as cidades enfrentarão dificuldades crescentes para adaptar sua infraestrutura às mudanças climáticas.
Entre os setores que mais demandam investimento, destacam-se a gestão da água, com 272 projetos e necessidade de US$ 28 bilhões; o setor de transportes, que engloba 397 projetos e requer US$ 19 bilhões; e a eficiência energética em edifícios, que sozinha soma 508 projetos e um montante de US$ 12 bilhões.
Para cidades que já estão na linha de frente da luta contra as mudanças climáticas, esses investimentos não são apenas desejáveis, mas essenciais. Sem recursos, iniciativas de transporte sustentável, eficiência hídrica e expansão de áreas verdes podem ser comprometidas, deixando milhões de pessoas mais expostas a enchentes, ondas de calor e colapsos na infraestrutura urbana.
Desigualdade no acesso ao financiamento
Embora países desenvolvidos liderem em quantidade de projetos reportados, a disparidade entre economias desenvolvidas e emergentes ainda é grande. A América Latina, por exemplo, aparece apenas na terceira posição global em número de projetos submetidos, mesmo sendo uma das regiões mais impactadas por eventos climáticos extremos.
A falta de acesso a financiamentos estruturados coloca países em desenvolvimento em uma posição ainda mais frágil. Segundo Asma Jhina, consultora sênior do Pacto Global de Prefeitos pelo Clima e Energia (GCoM), sem parcerias estratégicas e modelos inovadores de financiamento, essas cidades terão dificuldades para implementar projetos sustentáveis de longo prazo.
“Ao redor do mundo, as cidades estão assumindo a liderança na ação climática e desenvolvendo projetos inovadores para infraestrutura urbana resiliente. Mas para concretizá-los, elas precisam de acesso a financiamento e colaborações estratégicas”, destaca.
Oportunidade para ampliar o financiamento climático
Diante desse cenário, especialistas reforçam que ampliar o financiamento climático é uma necessidade urgente. O estudo aponta algumas medidas fundamentais para isso:
- Maior mobilização de investimentos públicos: O setor público precisa destinar ao menos US$ 800 bilhões por ano para infraestrutura sustentável, reduzindo a lacuna de financiamento global.
- Engajamento do setor privado: Criar condições para atração de capital privado pode impulsionar projetos de forma escalável, acelerando sua implementação.
- Alinhamento entre estratégias nacionais e locais: Para que os recursos cheguem efetivamente às cidades, é essencial que as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) estejam alinhadas às necessidades regionais.
A transparência na divulgação de dados climáticos também é um fator essencial para destravar novos investimentos. O CDP-ICLEI Track, plataforma global de monitoramento climático urbano, tem ajudado governos e instituições financeiras a entender melhor as necessidades locais e direcionar os recursos de maneira mais eficiente.
Para Katie Walsh, especialista em Finanças Climáticas do CDP, os números do relatório deixam claro que, sem ação imediata, os esforços das cidades para combater as mudanças climáticas podem ser insuficientes.
“As cidades estão agindo, mas não podem fazer isso sozinhas. Precisamos ampliar os investimentos e garantir que os governos locais, especialmente em países em desenvolvimento, tenham os recursos necessários para lidar com os desafios climáticos”, afirma.
À medida que eventos extremos se tornam mais frequentes, a corrida por soluções sustentáveis se intensifica. Sem um financiamento estruturado e acesso equitativo a recursos, muitas cidades podem ficar para trás na luta pela adaptação climática – e o custo dessa inação será sentido por todos.