Aprovado pelo Senado, o projeto que deveria impulsionar a energia eólica offshore é distorcido por emendas que favorecem combustíveis fósseis, comprometendo metas climáticas e penalizando consumidores
O Senado Federal aprovou, no último dia 12 de dezembro, o Projeto de Lei 576/2021, que originalmente pretendia regulamentar a geração de energia eólica offshore no Brasil. Contudo, o texto foi profundamente alterado para incluir subsídios bilionários a termelétricas a carvão e gás natural, provocando indignação de especialistas e ambientalistas. Caso sancionado, o PL pode impor custos de R$ 90 bilhões aos consumidores de energia até 2050, ao mesmo tempo em que representa um grande retrocesso para a transição energética no país.
O Instituto Internacional Arayara, organização ambientalista, classificou a aprovação do projeto como “um crime ambiental e econômico”. Juliano Bueno de Araújo, diretor técnico do Instituto, afirmou que o texto, tal como aprovado, contradiz o compromisso do Brasil de liderar a transição energética global e reforça o lobby das indústrias fósseis em detrimento das fontes renováveis. “O Brasil estará praticando greenwashing legislativo ao subsidiar carvão e gás em pleno ano da COP30, que será sediada em Belém. Este projeto vai na contramão das metas climáticas e das promessas feitas ao mundo no Acordo de Paris”, alerta.
A crítica central recai sobre o Artigo 21 do PL 576/2021, que prevê subsídios a usinas termelétricas a carvão mineral até 2050. Essa medida beneficia diretamente empreendimentos como o complexo termelétrico Candiota III, no Rio Grande do Sul, e a Companhia Riograndense de Mineração (CRM), estatal responsável pelo fornecimento de carvão. Segundo o Instituto Arayara, o impacto ambiental será devastador: estima-se que a queima de carvão subsidiada pelo projeto gerará 274,4 milhões de toneladas de CO2 equivalente nos próximos 25 anos — um volume similar às emissões anuais de todo o setor de transportes e produção de combustíveis fósseis no Brasil.
Além das questões climáticas, o PL também representa uma sobrecarga para os consumidores de energia elétrica. Um estudo da Frente Nacional de Consumidores aponta que os custos associados à geração térmica a carvão podem ultrapassar R$ 90 bilhões até 2050, resultado de subsídios bilionários que impactarão diretamente as tarifas de energia. Para Araújo, trata-se de uma escolha política que favorece um setor obsoleto e ineficiente. “O Brasil tem o potencial de liderar com energia limpa, mas, ao invés disso, está financiando a energia mais suja e cara disponível”, critica.
Contradições no Senado Federal
O cenário se torna ainda mais paradoxal ao se observar que, apenas dois dias antes da aprovação do PL 576/2021, o Senado aprovou o Programa de Aceleração da Transição Energética (PATEN), por meio do PL 327/2021. Esse programa busca substituir matrizes energéticas poluentes por fontes renováveis e prevê incentivos como acesso a recursos do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC). Enquanto o PATEN representa um avanço, o PL 576/2021 enfraquece a agenda climática ao incluir emendas conhecidas como “jabutis” que garantem privilégios ao setor de combustíveis fósseis.
Essa contradição levanta dúvidas sobre a coerência das políticas energéticas no país. Especialistas apontam que o Brasil corre o risco de comprometer sua credibilidade internacional ao aprovar medidas que favorecem o carvão e o gás ao mesmo tempo em que promete liderar a transição para uma matriz limpa e sustentável.
Lobby do carvão em destaque
Para o Instituto Arayara, o PL 576/2021 é mais um exemplo do poder de influência do lobby do carvão. O caso lembra a aprovação, em 2021, da Lei nº 14.299, que deveria implementar o Programa de Transição Energética Justa em Santa Catarina, mas acabou priorizando subsídios ao Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, consumindo mais de R$ 1 bilhão por ano em recursos públicos.
John Wurdig, gerente de transição energética e clima do Instituto, explica que o setor de carvão mineral tenta reiteradamente inserir dispositivos favoráveis a seus interesses em projetos de lei. “No caso do PL 576/2021, as emendas foram incluídas de última hora, garantindo subsídios bilionários enquanto ignoram a urgência de um plano para descarbonização e transição energética justa”, afirma.
Apelo por veto presidencial
O Artigo 21 do PL 576/2021 agora depende da sanção presidencial. Durante a votação no Senado, o líder do governo, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), declarou que o governo pretende vetar as emendas que favorecem combustíveis fósseis. Contudo, há o risco de que o Congresso derrube o veto em 2025, mantendo as medidas controversas no texto final.
Como parte das ações de mobilização, o Instituto Arayara lançará, no dia 16 de dezembro, o estudo “UTE Candiota 2050 – O futuro insustentável da produção de energia elétrica a partir do carvão mineral subsidiado“, em evento na Assembleia Legislativa de Porto Alegre. O relatório detalhará os impactos econômicos, sociais e climáticos do carvão mineral como fonte de energia no Brasil e apresentará alternativas viáveis para uma transição energética justa e sustentável.
Enquanto isso, a sociedade civil e organizações ambientais intensificam a pressão para que o presidente da República barre as emendas prejudiciais e mantenha o foco na descarbonização da matriz energética brasileira.