Especialistas debatem na Câmara dos Deputados como os incentivos descontrolados no setor elétrico penalizam os consumidores e elevam as tarifas a níveis recordes
A conta de luz no Brasil continua sendo motivo de preocupação para milhões de consumidores, com o país registrando a segunda tarifa mais cara do mundo. Em audiência pública realizada na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, especialistas, representantes do setor elétrico e autoridades apontaram os subsídios governamentais como os principais responsáveis por esse cenário.
Os subsídios são incentivos fiscais e financeiros concedidos para apoiar setores estratégicos, como o de energias renováveis. No entanto, o crescimento desordenado desses benefícios tem gerado distorções no sistema elétrico e um impacto direto no bolso do consumidor. De acordo com Marisete Pereira, presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage), entre 2019 e 2023, o custo desses subsídios aumentou 426%, elevando a carga de custos repassados ao chamado mercado cativo, composto por consumidores residenciais e comerciais.
Rosimeire Cecília da Costa, presidente do Conselho Nacional de Consumidores de Energia Elétrica (Conacen), destacou que os consumidores arcam com mais de R$ 70 bilhões por ano em subsídios. Segundo ela, isso ocorre sem que haja um amplo debate público sobre o impacto dessas medidas. Rosimeire defendeu a necessidade de maior participação popular nos projetos que envolvem mudanças no setor elétrico. “Qualquer proposta que onere os consumidores precisa ser amplamente discutida e acompanhada de transparência sobre suas fontes de financiamento e impactos econômicos”, argumentou.
Marcos Madureira, presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), revelou que o setor de energia eólica e solar é o principal beneficiário dos subsídios, recebendo cerca de R$ 11 bilhões ao ano. Embora essas fontes sejam essenciais para a transição energética e a redução de emissões de carbono, os incentivos têm sido questionados por sua dimensão e impacto desproporcional.
Outro ponto de destaque no debate foi a chamada geração distribuída, modalidade que permite aos consumidores gerar sua própria energia, geralmente por meio de painéis solares, e vender o excedente ao sistema nacional. Apesar de contribuir para a descentralização da matriz energética, essa prática também é subsidiada, gerando um custo de R$ 7 bilhões anuais para os demais consumidores. Segundo o ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Jerson Kelman, o subsídio concedido a quem instala placas solares é 14 vezes maior do que o oferecido às famílias de baixa renda por meio da tarifa social.
Kelman, que também é professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destacou a urgência de uma revisão no marco regulatório do setor elétrico, vigente desde 2004. Ele argumentou que o modelo atual cria distorções ao privilegiar grupos específicos e transferir os custos para a maioria da população. “Precisamos acabar com os ‘cercadinhos’ que protegem alguns consumidores e geradores, enquanto o restante da população arca com os custos. O sistema precisa ser justo e equilibrado”, afirmou.
Além dos subsídios, o sistema elétrico brasileiro enfrenta outro paradoxo: o excesso de geração de energia por fontes renováveis em momentos de baixa demanda. Marisete Pereira explicou que a sobrecarga de energia, muitas vezes não utilizada, acaba resultando em custos adicionais para os consumidores, já que os geradores são remunerados independentemente do consumo.
Diante desse cenário, o deputado Hugo Leal (PSD-RJ), que solicitou a audiência pública, defendeu a criação de um teto para os subsídios do setor elétrico. Para ele, é fundamental que qualquer proposta legislativa relacionada ao setor venha acompanhada de análises claras sobre o impacto tarifário no curto, médio e longo prazo. “Assim como precisamos indicar a fonte de custeio no orçamento público, também devemos ser transparentes sobre o impacto das medidas nas tarifas de energia”, afirmou o parlamentar.
O subsecretário de Assuntos Econômicos e Regulatórios do Ministério de Minas e Energia, Gustavo Manfrim, informou que o governo está elaborando uma nova legislação para o setor, prevista para ser enviada ao Congresso no próximo ano. O objetivo é reduzir os subsídios de forma gradual, buscando um equilíbrio entre incentivos ao crescimento sustentável e a proteção dos consumidores.
A audiência também reforçou a importância de envolver a sociedade nas decisões sobre o setor elétrico. Segundo Rosimeire da Costa, ampliar a transparência e o debate público é essencial para garantir que os interesses de todos os consumidores sejam considerados.
Com tarifas cada vez mais altas e um sistema marcado por desigualdades, o Brasil enfrenta o desafio de reestruturar seu modelo elétrico para torná-lo mais eficiente, sustentável e justo. Enquanto isso, os consumidores seguem aguardando medidas que aliviem o peso de uma conta de luz que reflete não apenas o custo da energia, mas também os efeitos de uma política de subsídios mal calibrada.