Audiência pública na Comissão de Infraestrutura discutirá se custos operacionais de restrições na rede elétrica devem ser repassados à conta de luz. Tema envolve questões técnicas, jurídicas e impactos no bolso dos consumidores
O Senado Federal, por meio da Comissão de Infraestrutura (CI), promoverá uma audiência pública para discutir um tema que pode ter impacto direto na conta de luz dos brasileiros: o repasse dos custos de usinas que, embora tecnicamente aptas a gerar energia, são impedidas de operar devido a limitações na rede elétrica. O debate, ainda sem data definida, foi oficialmente aprovado nesta terça-feira (17) após requerimento do senador Marcos Rogério (PL-RO) — REQ 50/2025 – CI.
O foco central da discussão está no chamado mecanismo de constraint-off, uma prática cada vez mais frequente no setor elétrico nacional. Este mecanismo ocorre quando, por restrições físicas no sistema de transmissão, determinadas usinas são impedidas de injetar energia na rede, mesmo estando tecnicamente disponíveis para operar. Quando isso acontece, essas geradoras são indenizadas por meio dos Encargos de Serviços do Sistema (ESS) — um custo que, no final da cadeia, é repassado aos consumidores.
Além disso, o debate incluirá os chamados curtailments, que são cortes obrigatórios na geração, porém sem indenização para os geradores. Atualmente, esses prejuízos são absorvidos pelos próprios empreendedores, mas existe um movimento dentro do setor discutindo se esses custos também deveriam ser cobertos pelo ESS. Caso isso avance, o impacto poderá ser sentido diretamente na tarifa de energia dos consumidores.
“É necessário discutir os aspectos técnicos, operacionais, jurídicos e, principalmente, os impactos econômicos dessa prática. A alocação de riscos no setor precisa ser transparente, e o consumidor não pode ser onerado sem clareza sobre a legitimidade desses repasses”, justifica o senador Marcos Rogério no requerimento aprovado.
Aumento das renováveis pressiona a rede elétrica
O crescimento acelerado das fontes renováveis, especialmente energia solar e eólica, tem pressionado a infraestrutura de transmissão do país. Como essas fontes são, em sua maioria, instaladas em regiões distantes dos grandes centros de consumo, a rede de escoamento nem sempre é suficiente para absorver toda a energia produzida.
Nesses casos, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) precisa realizar intervenções operacionais, suspendendo temporariamente a geração de algumas usinas para evitar sobrecargas na rede. Embora seja uma medida técnica necessária, isso gera custos adicionais que recaem sobre o ESS.
O avanço das energias renováveis é fundamental para a descarbonização da matriz energética, mas também impõe desafios de expansão e modernização da infraestrutura elétrica, além de reavaliar os modelos de risco e remuneração do setor.
Quem vai participar do debate?
A audiência pública reunirá representantes de diferentes segmentos do setor elétrico, tanto do lado dos consumidores quanto dos geradores e reguladores. Estão confirmadas as presenças de:
- Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec);
- Conselho Nacional de Consumidores de Energia Elétrica (Conacen);
- Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace);
- Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica);
- Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage);
- Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar);
- Frente Nacional dos Consumidores de Energia;
- Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel);
- Ministério de Minas e Energia (MME);
- Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
A pluralidade dos convidados demonstra que o tema envolve interesses diversos e muitas vezes conflitantes, exigindo uma análise equilibrada entre os direitos dos consumidores, a sustentabilidade financeira dos agentes e a segurança operacional do sistema elétrico.
Impacto direto na conta de luz
O principal ponto de tensão gira em torno de quem deve arcar com os custos decorrentes do constraint-off e dos curtailments. A transferência desses custos para os consumidores finais, por meio dos encargos setoriais, poderia elevar ainda mais a conta de luz — que já sofre com outros fatores, como encargos regulatórios, subsídios cruzados e custos de expansão do sistema.
Por outro lado, os geradores argumentam que não podem ser penalizados por limitações da infraestrutura que fogem ao seu controle. Defendem que, se foram autorizados a construir e operar suas usinas, devem ter segurança jurídica de que suas receitas não serão impactadas por gargalos do sistema.
Do ponto de vista jurídico, o debate se aprofunda na análise dos contratos setoriais e na definição sobre quem deve assumir o risco de indisponibilidade não relacionada a falhas da própria usina, mas sim da malha de transmissão.
Caminho para uma solução estrutural
Especialistas apontam que, embora a discussão sobre a alocação dos custos seja urgente, a solução definitiva passa, necessariamente, pela ampliação e modernização da infraestrutura de transmissão do país. O governo federal já tem anunciado leilões bilionários para construção de novas linhas, especialmente no Norte e Nordeste — regiões onde a geração eólica e solar cresce de forma mais acelerada.
No entanto, até que essas obras estejam concluídas, o sistema continuará enfrentando desafios operacionais, e a definição sobre quem paga essa conta segue no centro do debate.
A audiência pública da Comissão de Infraestrutura se apresenta, portanto, como um fórum decisivo para discutir o equilíbrio entre os interesses dos consumidores, a viabilidade econômica dos empreendimentos e a segurança do sistema elétrico nacional.