Home Artigo Cidades solares: como a arquitetura urbana pode impulsionar a geração de energia...

Cidades solares: como a arquitetura urbana pode impulsionar a geração de energia solar distribuída

Por Carla Taíssa, Jornalista, escritora e designer de interiores, com pós-graduação em Gestão, Inovação e Marketing

Por Carla Taíssa, Jornalista, escritora e designer de interiores, com pós-graduação em Gestão, Inovação e Marketing

A transição energética nas cidades não depende apenas de avanços tecnológicos ou incentivos econômicos. O desenho urbano e a arquitetura das edificações também desempenham um papel estratégico na expansão da energia solar distribuída. Quando falamos em cidades solares, estamos tratando de como a forma como construímos e organizamos os espaços urbanos pode impactar diretamente a produção e o uso de energia limpa.

Este artigo analisa o papel da arquitetura na transição energética urbana, destacando caminhos, desafios e possibilidades para integrar a geração solar ao tecido das cidades brasileiras.

Urbanismo e energia solar: conexões diretas

O planejamento urbano define onde e como os edifícios serão construídos. A orientação das ruas, a densidade dos bairros, o zoneamento e as regras de ocupação do solo influenciam diretamente a viabilidade técnica e econômica de instalar sistemas fotovoltaicos.

Bairros com maior adensamento e prédios altos, por exemplo, podem enfrentar sombreamento excessivo, o que compromete o desempenho dos painéis solares. Já em áreas com casas térreas e afastamentos adequados, há mais liberdade para posicionar os módulos de forma eficiente.

Nesse contexto, o urbanismo pode ser um aliado ou um obstáculo à energia solar. Códigos de obras e diretrizes de desenvolvimento urbano que valorizem a insolação, a ventilação natural e o uso de coberturas planas tendem a favorecer a geração solar distribuída.

Arquitetura como vetor da transição energética

A arquitetura tem influência direta na eficiência energética dos edifícios e na possibilidade de incorporar sistemas solares. Projetos que consideram a orientação solar desde o início do processo construtivo possibilitam a instalação de painéis com maior rendimento, sem a necessidade de adaptações posteriores.

Além disso, o uso de telhados planos ou inclinados na direção correta pode facilitar tanto a captação de energia solar quanto a manutenção dos equipamentos. Fachadas solares, brises com células fotovoltaicas integradas e varandas com painéis bifaciais são exemplos de soluções arquitetônicas que ampliam a área útil para captação solar sem comprometer a estética ou a funcionalidade das construções.

A integração da energia solar à arquitetura não precisa ser um elemento adicional. Quando pensada desde a concepção do projeto, torna-se parte do próprio edifício.

Mas, quando a instalação dos painéis solares ocorre em edificações já existentes, especialmente sobre telhados, é essencial que o projeto leve em consideração a estrutura da construção. Nestes casos, um laudo técnico estrutural é indispensável para garantir a segurança e a viabilidade da instalação. Isso porque, a sobrecarga causada pelos módulos fotovoltaicos e seus sistemas de fixação pode comprometer telhados antigos ou mal conservados, tornando fundamental a avaliação prévia de um engenheiro especializado.

Dessa forma, a etapa de laudo assegura a integridade do imóvel, assim como também o desempenho do sistema solar ao longo do tempo. Neste caso, mesmo sem integração estética completa ao projeto arquitetônico, sua aplicação pode ser eficiente e estratégica, sobretudo quando associada a boas práticas de engenharia e manutenção.

Potencial das cidades brasileiras para se tornarem solares

O Brasil possui um dos melhores recursos solares do mundo, com alta irradiação ao longo de todo o ano em grande parte do território. Nas áreas urbanas, esse potencial se multiplica pelo número de coberturas disponíveis para instalação de sistemas solares.

De acordo com dados da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR), o Brasil já superou a marca de 40 gigawatts (GW) de potência instalada em energia solar, respondendo por cerca de 22% da matriz elétrica do país. Para 2025, a expectativa é de um acréscimo de mais 13,2 GW, impulsionado principalmente pela expansão da geração distribuída. Ainda assim, a maior parte dos telhados nas cidades permanece sem aproveitamento energético.

Transformar as cidades em polos de geração solar descentralizada passa por integrar essa pauta às políticas públicas de urbanismo, habitação e sustentabilidade. Revisar legislações, flexibilizar normas de ocupação e estimular modelos de arquitetura solar passiva são alguns caminhos possíveis.

Desafios para consolidar cidades solares no Brasil

Apesar do potencial técnico, há diversos entraves que dificultam a consolidação das cidades solares, como, por exemplo, a falta de planejamento integrado. Afinal, urbanismo, mobilidade, habitação e energia são tratados muitas vezes de forma isolada nas esferas públicas. A ausência de uma visão sistêmica limita a adoção de soluções energéticas distribuídas.

Por outro lado, também há a desigualdade no acesso à energia solar, que ainda é mais comum em regiões centrais e em residências de maior renda. Expandir o acesso em áreas periféricas exige políticas públicas específicas, como programas de habitação com telhados solares e financiamento acessível.

Há, também, entraves técnicos, como capacitação técnica de profissionais e incentivos para que arquitetos e engenheiros incorporem essas soluções em seus projetos.

Caminhos possíveis para avançar

Algumas ações podem ajudar a acelerar a transição energética urbana por meio da arquitetura:

  • Inclusão de critérios solares nos códigos de obras: orientações sobre orientação solar, afastamentos e formas de cobertura podem ser incluídas nas normas municipais, incentivando construções mais adequadas à geração solar.
  • Projetos-piloto em habitação popular: experiências de bairros solares ou conjuntos habitacionais com painéis fotovoltaicos podem demonstrar a viabilidade técnica e econômica do modelo em larga escala.
  • Capacitação profissional: programas de formação e atualização técnica para arquitetos, engenheiros e urbanistas sobre energia solar e design integrado.
  • Mapeamento solar urbano: ferramentas que identifiquem áreas com maior potencial de geração solar podem ajudar municípios a planejar políticas mais eficazes.

A arquitetura como ferramenta estratégica na transição energética

A transição energética urbana não depende apenas da troca de fontes de energia, mas também da forma como as cidades são construídas e organizadas. Por isso, a arquitetura e o urbanismo são ferramentas que, quando bem aplicadas, podem acelerar o avanço da energia solar distribuída nas cidades brasileiras.

Pensar em cidades solares é pensar em espaços construídos com inteligência, conectados com o meio ambiente e com a realidade energética do país. Isso exige articulação entre diferentes setores e uma abordagem integrada entre energia, habitação e planejamento urbano.

Exit mobile version