Na terceira carta oficial, a presidência brasileira da COP30 convoca os países a transformarem discursos em ações concretas na pré-COP de Bonn, com foco em adaptação, transição justa e aceleração do afastamento dos combustíveis fósseis
A poucos meses da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que acontecerá em Belém, no Pará, em 2025, o Brasil deu mais um passo decisivo no cenário diplomático climático. Nesta sexta-feira (23), a presidência brasileira da COP30 divulgou sua terceira carta à comunidade internacional, convocando os negociadores a assumirem compromissos reais e concretos durante a pré-COP de Bonn, formalmente conhecida como a 62ª Sessão dos Órgãos Subsidiários (SB62), que ocorrerá de 16 a 26 de junho na Alemanha.
O documento posiciona Bonn como um verdadeiro teste de credibilidade para o multilateralismo climático. Segundo a carta, “a credibilidade do processo multilateral está nas mãos dos negociadores em Bonn”. E deixa claro: “seria um grande desperdício se o SB62 fosse tomado por procrastinação”.
Três prioridades estratégicas para destravar o avanço climático
O texto estabelece três prioridades que devem guiar as negociações na Alemanha e, futuramente, na COP30:
- Meta Global de Adaptação (GGA) – Consolidar uma lista com até 100 indicadores para medir a resiliência climática dos países, diretamente vinculada aos Planos Nacionais de Adaptação (NAPs) e, principalmente, ao financiamento climático. Sem dinheiro, alerta a carta, o Marco Global de Adaptação corre o risco de se tornar apenas um conjunto de intenções vazias.
- Balanço Global (Global Stocktake – GST) – A proposta é transformar o GST em um verdadeiro motor de implementação, criando um “Diálogo sobre Implementação” permanente. Isso significa colocar em prática o compromisso assumido na COP28 de promover uma transição energética que afaste progressivamente os combustíveis fósseis de forma justa, ordenada e equitativa.
- Programa de Trabalho sobre Transição Justa (JTWP) – A carta defende dar ambição e escopo robusto ao programa, conectando-o diretamente ao GST e às Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). Proteção social, requalificação de trabalhadores e financiamento para diversificação econômica precisam estar no centro da discussão.
Financiamento: o ponto sensível que pode travar as negociações
A carta brasileira escancara um dos maiores desafios das negociações climáticas: o financiamento. Países desenvolvidos tendem a defender uma abordagem mais técnica, sem compromissos vinculantes, enquanto os países em desenvolvimento pressionam por garantias financeiras robustas.
Esse embate é especialmente sensível na definição dos indicadores da GGA. O risco apontado é que, sem recursos claros, os Planos Nacionais de Adaptação não sairão do papel, perpetuando a vulnerabilidade das populações mais afetadas pelos eventos extremos.
O texto também propõe a criação de uma nova força-tarefa de adaptação no âmbito do IPCC, reforçando a necessidade de rigor científico na construção de políticas climáticas eficazes.
Transição Justa: evitar que ninguém fique para trás
O Programa de Trabalho sobre Transição Justa, criado oficialmente na COP28, será um dos grandes focos da pré-COP de Bonn. O desafio é garantir que a transformação econômica necessária para conter as mudanças climáticas não deixe para trás trabalhadores, comunidades vulneráveis, povos indígenas e regiões altamente dependentes de combustíveis fósseis.
A divergência está na natureza do JTWP. Enquanto países desenvolvidos querem que o programa tenha caráter consultivo, muitos países do Sul Global defendem que ele produza recomendações políticas vinculantes e inclua financiamento para proteger trabalhadores e comunidades afetadas pela transição energética.
Balanço Global: da avaliação para a ação
O GST, mecanismo criado pelo Acordo de Paris, passou sua primeira grande avaliação na COP28, em Dubai, com um diagnóstico alarmante: o mundo está longe de cumprir a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C.
Agora, o desafio é transformar esse diagnóstico em ação concreta. O Brasil propõe que a pré-COP de Bonn dê início formal a um Diálogo sobre Implementação, que permita aos países revisar suas NDCs e acelerar a transição energética, deixando de lado os combustíveis fósseis.
Esse movimento é visto como essencial para garantir a credibilidade não só da COP30, mas de todo o regime climático internacional.
Contradições brasileiras geram críticas
Apesar do protagonismo na presidência da COP30, o Brasil tem sido alvo de críticas por sua postura contraditória. Enquanto defende internacionalmente a eliminação gradual dos combustíveis fósseis, o país, na presidência do BRICS, tem sinalizado apoio à expansão de petróleo e gás.
“Parece que estamos lidando com dois Brasis. O que lidera a COP30 quer acelerar o afastamento dos fósseis. O que lidera o BRICS aposta na continuidade deles. Isso mina nossa credibilidade internacional”, alerta Délcio Rodrigues, diretor executivo do ClimaInfo.
O que está em jogo
O sucesso da pré-COP de Bonn será decisivo para o legado da COP30 em Belém. Se os países avançarem na consolidação dos indicadores de adaptação, no fortalecimento do GST e na implementação efetiva da transição justa, o encontro no Brasil poderá se tornar um marco histórico na luta contra a crise climática.
Por outro lado, se as discussões forem dominadas pela procrastinação e pela falta de ambição, a credibilidade do Acordo de Paris e do próprio multilateralismo estará severamente comprometida.