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Esquema de fraude com outorgas de energia solar desvia R$ 145 milhões e gera alerta sobre regulação

Esquema de fraude com outorgas de energia solar desvia R$ 145 milhões e gera alerta sobre regulação

Organização criminosa usou empresa de fachada e documentos falsos para vencer licitações e revender outorgas de usinas solares a terceiros; Justiça Federal recebeu a denúncia, e réus também podem pagar R$ 50 milhões por danos morais coletivos

O setor elétrico brasileiro, historicamente reconhecido por sua regulação técnica e por leilões públicos que promovem a expansão da matriz energética, foi abalado por uma denúncia do Ministério Público Federal (MPF) que expõe uma fraude de R$ 145,2 milhões. Entre 2015 e 2018, uma organização criminosa utilizou uma construtora fictícia para vencer licitações da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), revendendo as outorgas obtidas de forma ilícita a empresas de boa-fé. A operação foi desvendada no âmbito da Operação Skotos, desdobramento da Operação Black Flag, e a denúncia já foi recebida pela Justiça Federal.

A empresa em questão, Steelcons Empreiteira, sequer possuía capacidade técnica ou financeira para construir as usinas solares prometidas nos leilões. Documentos contábeis falsificados foram utilizados para simular solvência e qualificação técnica, o que garantiu à organização o acesso a projetos estratégicos de geração solar. Após vencer os certames, os criminosos comercializavam as concessões obtidas por valores milionários, sem jamais sair do papel na construção das usinas.

Esquema sofisticado de simulação e lavagem de dinheiro

As fraudes ocorreram em três leilões distintos promovidos pela Aneel. O primeiro, realizado em 2015, tinha por objetivo contratar energia de reserva proveniente de novos empreendimentos. Nele, o grupo apresentou propostas para três usinas no Tocantins. Já nos leilões de 2017 e 2018, voltados ao aumento da oferta de energia no país, os projetos contemplavam a construção de quatro usinas solares na Bahia e outras nove no Ceará.

As outorgas foram posteriormente vendidas a terceiros, que acreditavam estar adquirindo concessões legítimas, por valores que somam R$ 145,2 milhões. As vendas foram distribuídas entre três contratos: R$ 80 milhões, R$ 6,5 milhões e R$ 58,7 milhões. Para dissimular a origem dos valores, os criminosos utilizaram contratos fictícios de prestação de serviços e empresas laranjas, configurando um robusto esquema de lavagem de dinheiro e corrupção ativa e passiva.

A denúncia, apresentada pelo procurador da República Ricardo Perin Nardi, pede, além das condenações penais, a perda de bens equivalentes ao valor da fraude e o pagamento de R$ 50 milhões por danos morais coletivos, em reparação aos prejuízos causados à coletividade e à integridade do setor elétrico nacional.

Setor elétrico como alvo: riscos à credibilidade dos leilões de energia

A denúncia reacende o debate sobre a vulnerabilidade de processos licitatórios no setor elétrico brasileiro, especialmente em um momento de transição energética em que os leilões de energia solar são vitais para a diversificação da matriz energética e para o cumprimento das metas climáticas.

Ao utilizar empresas de fachada, o grupo criminoso minou um dos pilares da política energética nacional: a previsibilidade regulatória e a credibilidade dos leilões como mecanismo competitivo e seguro para atrair investimentos. A revenda das outorgas de forma ilegal ainda criou distorções no mercado, prejudicando investidores sérios e retardando projetos que poderiam ampliar o fornecimento de energia limpa no país.

Especialistas apontam que esse tipo de fraude compromete não apenas o erário, mas também a confiança de investidores internacionais, fundamentais para viabilizar os mais de R$ 250 bilhões previstos para investimentos em geração solar até 2032, segundo projeções da EPE (Empresa de Pesquisa Energética).

Histórico criminoso e acordos extrajudiciais

Parte dos integrantes da quadrilha já havia sido alvo da Operação Black Flag, que investigou crimes financeiros e empresariais anteriores à fraude nos leilões. Desde 2007, o grupo teria operado esquemas para obtenção fraudulenta de empréstimos e financiamentos, com prejuízo de aproximadamente R$ 100 milhões a instituições públicas e privadas. Além disso, foi constatada sonegação de R$ 42,8 milhões em tributos entre 2011 e 2012.

No curso da investigação, o MPF firmou Acordos de Não Persecução Penal (ANPP) com sete dos envolvidos, que reconheceram a culpa e aceitaram cumprir medidas alternativas, como a prestação de serviços à comunidade e a devolução de parte dos recursos desviados, totalizando cerca de R$ 2 milhões.

No entanto, os principais articuladores do esquema responderão na Justiça pelos crimes de fraude à licitação, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e corrupção. O MPF considera o caso emblemático e espera que a ação judicial reforce os mecanismos de controle e fiscalização sobre os próximos leilões de energia promovidos pela Aneel.

O desafio da integridade em tempos de transição energética

A transição para uma matriz energética baseada em fontes renováveis, como a solar e a eólica, é uma prioridade estratégica para o Brasil, que se posiciona como um dos países mais atrativos do mundo para investimentos no setor. Contudo, a integridade dos processos de contratação pública será determinante para o sucesso dessa jornada.

Ao denunciar um esquema tão complexo quanto o desvelado na Operação Skotos, o Ministério Público envia um sinal claro ao mercado: a fraude não será tolerada, e o desvio de recursos em áreas sensíveis como energia deve ser combatido com rigor. Mais do que punir, a ação do MPF visa proteger o futuro da energia limpa no país e a credibilidade do ambiente regulatório brasileiro.

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