Projeto pioneiro da Norte Energia, em parceria com universidades federais, desenvolve software para microrrede fotovoltaica com armazenamento em hidrogênio verde; solução pode substituir geradores a diesel e acelerar a transição energética na Amazônia
A transição energética global tem encontrado no hidrogênio verde uma de suas maiores apostas. Livre de emissões de carbono e com potencial de aplicação em múltiplas frentes, ele se apresenta como uma das soluções mais promissoras para descarbonizar setores industriais e ampliar o acesso à energia limpa em áreas remotas. No Brasil, uma iniciativa pioneira da Norte Energia, concessionária da Usina Hidrelétrica Belo Monte, está desenvolvendo um sistema inovador que pode transformar o modo como comunidades isoladas recebem eletricidade.
O projeto, batizado de Microrrede Fotovoltaica Isolada com Armazenamento de Energia Elétrica em Hidrogênio Verde para Atendimento Contínuo de Carga (MIRAHV), une geração solar off-grid, produção e armazenamento de hidrogênio verde, e um software inédito para gestão integrada da microrrede. Trata-se de uma proposta que alia inovação tecnológica e sustentabilidade, com capacidade de operar de forma autônoma mesmo em períodos sem sol — um desafio histórico da energia solar em regiões remotas.
Inovação para além da rede
Com desenvolvimento em curso na Usina de Belo Monte, em Vitória do Xingu (PA), o projeto nasce como parte de uma iniciativa de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PDI), regulada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), sob o código PD-07427-0422/2022. A execução é fruto da parceria entre a Universidade Federal do Pará (UFPA), a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e a empresa ERA Energia, responsável pela entrega técnica do sistema de hidrogênio.
A estrutura técnica do projeto contempla um gerador fotovoltaico de 25 kWp (quilowatts-pico), um eletrolisador de 12,5 kW para produção de hidrogênio, um tanque de armazenamento com capacidade para 45 kg de hidrogênio verde e uma célula a combustível de 10 kW, que converte novamente o hidrogênio em energia elétrica — sistema conhecido como power-to-power.
Todos esses componentes serão orquestrados por um software desenvolvido especialmente para a gestão dessa microrrede. A solução visa garantir fornecimento contínuo de energia limpa mesmo quando as condições climáticas forem adversas e os painéis solares estiverem temporariamente inoperantes.
“A planta piloto pode atender até cinco casas com quatro moradores por até 48 horas sem sol. É uma alternativa concreta para regiões como a Amazônia, que ainda dependem de combustíveis fósseis para eletricidade”, explica Andreia Antloga do Nascimento, gerente de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Norte Energia.
Hidrogênio verde: o combustível do futuro
O diferencial do hidrogênio verde frente a outros tipos, como o azul ou o cinza, é a origem da energia utilizada para sua produção. No caso brasileiro, a fonte é a energia solar, considerada 100% renovável. O processo de eletrólise separa as moléculas de água (H₂O) em hidrogênio (H₂) e oxigênio (O₂), com zero emissão de carbono.
Após produzido, o hidrogênio é comprimido e armazenado em tanques específicos, podendo ser reconvertido em eletricidade por meio de células a combustível, com alto grau de eficiência. No projeto MIRAHV, esse processo de ida e volta da energia será automatizado pelo software de controle, garantindo um fluxo de fornecimento estável para as cargas críticas da microrrede.
Democratização da energia e combate à exclusão energética
Para o professor André Leão, da Universidade Federal do Pará, um dos idealizadores do projeto, a tecnologia desenvolvida tem potencial de ser replicada em qualquer local com acesso a luz solar e água. “Pensando no nosso quintal, as comunidades amazônicas que hoje dependem de geração a diesel são os principais beneficiários. Estamos falando de autonomia energética limpa em regiões que sofrem com o alto custo logístico de combustíveis fósseis e com impactos ambientais severos”, afirma.
A proposta está alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), sobretudo os de acesso à energia limpa e acessível (ODS 7), ação contra a mudança climática (ODS 13) e inovação e infraestrutura (ODS 9).
O papel da indústria na transição energética
Além de fomentar soluções para comunidades isoladas, o projeto também aponta caminhos para o setor elétrico nacional no que diz respeito ao armazenamento de energia. Em sistemas interligados, o uso de baterias ainda é limitado por questões ambientais, custos e tempo de vida útil. O hidrogênio verde surge, então, como uma alternativa viável, escalável e ambientalmente correta.
Diego Rafael Staub, CEO da ERA Energia, reforça que o sistema proposto é seguro e eficiente. “A energia elétrica excedente gerada durante o dia é convertida em hidrogênio e armazenada em um tanque, podendo ser utilizada posteriormente com emissão zero. É uma forma de modular a oferta energética com sustentabilidade e inovação”, destaca.
Próximos passos e internacionalização da tecnologia
A previsão é que os equipamentos principais, fabricados na China, sejam entregues no segundo semestre de 2025. Engenheiros brasileiros viajarão ao país asiático em julho para acompanhar os testes finais e a certificação técnica dos componentes. Após a instalação, o sistema passará por testes de operação para validação de desempenho.
Comprovada sua eficácia, a solução poderá ser levada a outras regiões do Brasil e, futuramente, adaptada para projetos de cooperação internacional, especialmente em países com realidades semelhantes à da Amazônia Legal.
Conclusão
O projeto MIRAHV representa um salto qualitativo no uso de energias renováveis no Brasil. Vai além da produção e consumo: propõe uma mudança estrutural em como se planeja e viabiliza o fornecimento de energia em locais remotos, unindo academia, setor privado e estatal em torno de um mesmo propósito.
Trata-se de uma resposta concreta aos desafios da descarbonização, da segurança energética e da justiça social. Ao combinar energia solar com hidrogênio verde, o projeto reforça o papel do Brasil como protagonista na agenda de transição energética global.