Explorando o Impacto e as Perspectivas do PL 182/2024 no Mercado de Carbono Brasileiro
O Projeto de Lei 182/2024 marca um passo fundamental para a criação de um mercado de carbono regulamentado no Brasil, refletindo um compromisso crescente com a mitigação climática. Este avanço chega em um momento crucial para a economia brasileira, cujas emissões estão fortemente ligadas ao desmatamento, diferentemente de outras nações onde a queima de combustíveis fósseis domina.
A entrevista que se segue mergulha nas oportunidades e limitações impostas pelo PL 182/2024, abordando temas como o impacto nos setores privado e público, os desafios de governança e regulamentação, e as perspectivas de expansão e coordenação internacional. Segundo o especialista Felipe Bottini, diretor executivo de ESG da Accenture, o texto, que promete consolidar regras para o setor, ainda enfrenta críticas pela ausência de cobertura a todos os emissores relevantes.
“A regulamentação está avançando, mas ainda não abrange todos os setores emissores de forma uniforme. Essa lacuna é um desafio que pode comprometer a efetividade do mercado de carbono no Brasil”, ressalta Bottini.
O que propõe o PL 182/2024
O projeto divide o mercado brasileiro de crédito de carbono em dois grandes setores: o regulado e o voluntário.
Setor regulado: envolve iniciativas governamentais e empresas que emitem mais de 10 mil toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2eq) por ano. Essas organizações serão obrigadas a apresentar planos de monitoramento e relatórios ao órgão regulador, que será responsável por normatizar e fiscalizar o mercado.
Setor voluntário: mais flexível, sem uma padronização rígida, ele engloba iniciativas privadas e busca incentivar projetos que contribuam para a redução ou compensação de emissões.
O texto também prevê a possibilidade de compensação de emissões de gases poluentes por meio da compra de créditos vinculados a iniciativas de preservação ambiental, como reflorestamento e conservação de biomas nativos.
Visão Geral sobre o Avanço do PL
O PL 182/2024 já representa um avanço significativo, mas quais setores ainda estão fora do alcance dessa regulamentação? Por que isso ocorre e como isso afeta o cenário geral da mitigação climática no Brasil?
O Setor Agropecuário, inclusive instalações e benfeitorias, não se submetem a obrigações na Lei de mercado de carbono, ou seja, não terão obrigação de relato e tampouco meta de mitigação. Isso ocorre pois a construção da lei é um processo político cujos interlocutores da sociedade “deputados e senadores” representam bases de apoio mais ou menos fortes para exercer os interesses setoriais.
Eu vejo a exclusão como legítima do ponto de vista político, mas limita fortemente o resultado de mitigação via mercado regulado já que mudança do uso da terra representa aproximadamente 75% das emissões do país.
Em termos globais, onde o Brasil está posicionado na adoção de regulamentações de mercado de carbono em comparação com outras economias emergentes e desenvolvidas?
Há uma pluralidade de instrumentos de mitigação mundo afora, entre taxas e mecanismos de mercado, em 2015 fizemos um estudo que detectou mais de 800 instrumentos implantados ou em implementação, hoje deve haver mais. Por um lado, o Brasil demorou pra aprovar sua lei, por outro, já teve participação ativa no mercado global estabelecido pelo Protocolo de Quioto.
Atualmente, segundo o MapBiomas, no mundo todo, apenas 18% das emissões são cobertas por alguma regulação direta de mercado. Assim, não vejo que o Brasil esteja atrasado. É importante destacar que o Brasil tem perfil de emissões muito distinto da maior parte do Mundo. Enquanto as emissões, no geral, tem origem na energia fóssil, no Brasil, a principal fonte é o desmatamento.
Impacto para o Setor Privado e Público
Como o PL 182/2024 pode impactar o setor privado em curto e longo prazo? Que tipos de empresas ou setores podem se beneficiar mais?
Não vejo impacto significativo no curto-prazo. A lei precisa ser regulamentada e passar por várias fases. As obrigações efetivas não começam em menos de 5 anos. Tudo vai depender do plano de alocação ainda a ser regulamentado.
O setor que mais de beneficia é o agropecuário na medida em que não tem obrigações e pode se beneficiar da geração de créditos de carbono. Chama a atenção que APPs podem gerar créditos. Por ser uma obrigação legal, não há adicionalidade para a geração de créditos.
Para o setor regulado, a criação de um órgão gestor é uma inovação no país. Quais os desafios que este órgão enfrentará na criação de normas e sanções? Qual será o impacto dessa nova estrutura regulatória para as empresas que emitem mais de 10 mil toneladas de CO2eq anualmente?
Esse tipo de órgão é comum em outras jurisdições que implementaram mercados de carbono. Há desafios operacionais pois sofrerão pressão de diferentes setores e para a efetiva alocação das obrigações que serão constantes do Plano Nacional de alocação.
Não vejo grande impacto pras instalações que emitem mais que 10 mil toneladas. Essas serão obrigadas somente a relatar as emissões. Já as instalações (não organizações) que emitem mais que 25 mil toneladas, estarão sujeitas à compra de permissões (CBEs). Nesse caso, e a depender do nível de faturamento, pode haver impacto significativo.
Créditos de Carbono: Mercado Regulado vs. Mercado Voluntário
O mercado voluntário ainda carece de padronização. Como isso impacta a credibilidade e a eficácia das iniciativas privadas? Existe uma expectativa de que, no futuro, essas padronizações se estendam também ao mercado voluntário?
O mercado regulado, através da aprovação de metodologias, pode açambarcar créditos voluntários, desde que estejam de acordo com o conjunto de regras. É Natural que o mercado regulado suplante e gradualmente substitua o voluntário, mas pode se valer dos processos e métodos já estabelecidos. Será uma questão discricionária de aceitar ou não, e fazer adaptações necessárias, aos métodos existentes para garantir homogeneização e integridade ambiental.
Que setores hoje se beneficiam mais do mercado voluntário? E como esse mercado pode complementar as metas do setor regulado?
O setor florestal é hoje o principal beneficiário do mercado voluntário. A depender da proporção de créditos que poderá substituir CBEs, é possível que esses projetos ganhem mais tração e melhores preços de compra. Vai também depender da calibragem da regulamentação, ao definir o que poderá ser aceito de créditos, vai estabelecer automaticamente a demanda pelos mesmos. A depender da oferta, os preços podem ser maiores ou menores.
Perspectivas de Governança e Coordenação Global
O Sr. Bottini comentou sobre a necessidade de coordenação global sem precedentes. Em que medida essa falta de coordenação representa um desafio para o Brasil e outros países em desenvolvimento?
Mitigar é necessário em escala global e representa custos expressivos, não à toa as discussões da COP29 estão em torno do financiamento. Se não houver coordenação para que todos assumam uma responsabilidade onerosa e ambiciosa de forma concomitante, quem quer que saia na frete vai perder competitividade ao mesmo tempo que não vai resolver o problema na escala necessária. Daí a necessidade de coordenação ser imprescindível ao sucesso da empreitada global de maior ambição e também com o maior risco caso não seja empreendida.
Na sua visão, como os acordos e compromissos internacionais podem se tornar mais eficazes para apoiar mercados de carbono regionais e impulsionar a adesão global?
É preciso que os países concordem em parâmetros mínimos de demanda por crédito, métodos aceitáveis, cronograma de implementação e fungibilidade dos certificados.
Incentivos e Ações para o Curto e Longo Prazo
De que forma o Brasil pode ajustar os incentivos para alinhar as metas de mitigação com os interesses de curto prazo dos setores público e privado?
Através de um adequado plano quantitativo de alocação que será pautado pela ambição da NDC brasileira. Se a meta for muito alta, pode prejudicar a dinâmica econômica, se for muito baixa, pode ser ineficaz pra mitigação. E de uma efetiva alocação entre os setores, respeitando as capacidades. Essa segunda parte é bem mais desafiadora que a primeira. Já que combina diferentes setores, com diferentes forças políticas e contextos variados.
Com a implementação do PL, acredita que os mecanismos de mercado atuais já são suficientes para impulsionar o crescimento do mercado de crédito de carbono? Quais aperfeiçoamentos ainda seriam necessários?
O arcabouço operativo do mercado de capitais é suficiente para operacionalizar um mercado de carbono sem grande incremento nos custos de transação. Já o registro nacional eu não sei precisar. Pode ser bastante desafiador conciliar a pluralidade de créditos e modalidades para evitar dupla contagem.
A Lei cria distinções e limites conceituais claros, mas que são de difícil operacionalização, por exemplo: quando um agente decide por não participar de um mecanismo jurisdicional. Entre a decisão e a efetiva formalização, os créditos podem já ter sido emitidos e vendidos. É um desafio da regulamentação.
Os aperfeiçoamentos deverão ocorrer à medida que as etapas sejam cumpridas e eventuais distorções sejam percebidas. Eu gosto do modelo faseado proposto. Foi assim nos mercados que tiveram êxito mundo afora.
Perspectiva sobre Futuras Reformas ou Expansões do PL
Como o projeto de lei pode evoluir para alcançar mais setores? Existe uma expectativa de novas reformas ou ampliações na regulamentação para os próximos anos?
A Lei é o início do marco regulatório, não o fim. A lei não determina quais setores serão regulados, apenas aquele que não será. Definir os setores será uma tarefa da regulamentação a ocorrer nos próximos 12 a 24 meses, conforme determina a lei. A entrada dos setores deve ser feita com base na relevância para as emissões. Não vejo expectativas de mudanças no curto-prazo.
Que tipo de apoio governamental seria essencial para facilitar a expansão dessa regulação e promover uma integração maior de setores e empresas no mercado de carbono?
O Maior apoio é a regulamentação calibrada, de forma a promover a mitigação de maneira equilibrada, com esforços compatíveis dos setores com emissão relevante. A integração se dará via mercado, quando as organizações saírem em busca de transacionar certificados.
É natural que isso passe a compor a estratégia de negócios, de fluxo de caixa, de acordos de compra e venda de créditos não emitidos, derivativos e outros instrumentos.
É também importante que a criterização de metodologias, mensuração, relato e verificação a serem aceitas a um só tempo garantam a integridade ambiental tanto como respeitem as particularidades das atividades empresariais em território nacional.