Com alegações técnicas controversas, concessionárias de energia estariam barrando novos projetos de energia solar em diversos estados, ameaçando empregos e o direito de gerar energia limpa no Brasil
O setor de energia solar no Brasil vive uma crise sem precedentes com a reprovação crescente de projetos de microgeração de energia por concessionárias elétricas, uma situação que levanta preocupações tanto para integradores quanto para consumidores. A motivação das concessionárias seria a “inversão de fluxo de potência”, um fenômeno que ocorre quando o excesso de energia gerada em sistemas solares é devolvido à rede elétrica. Entretanto, especialistas do setor argumentam que a recusa desses projetos é uma ação arbitrária e prejudicial, promovida sem embasamento técnico adequado.
Para pressionar pela revisão dessa prática, representantes e empresas do setor de energia solar organizaram uma mobilização intitulada “Proibir o sol não”, prevista para ocorrer nesta sexta-feira, 1º de novembro, nas cidades de Campinas (SP) e São Leopoldo (RS). A manifestação está sendo coordenada pela Aliança Solar, uma coalizão entre o Instituto Nacional de Energia Limpa (INEL) e o Movimento Solar Livre (MSL), entidades que afirmam que a recente onda de reprovações está asfixiando a indústria de energia solar descentralizada no país.
Hewerton Martins, presidente do MSL, explica que o aumento das reprovações tem afetado projetos acima de 7,5 kW e, em muitos casos, até mesmo projetos com capacidade inferior. “Essa é uma clara violação do direito dos brasileiros de gerarem sua própria energia. O Marco Regulatório da Geração Descentralizada, estabelecido pela Lei 14.300/2022, assegura essa possibilidade, mas as concessionárias insistem em barrar os projetos”, declara Martins.
Impacto no Emprego e na Economia Local
A energia solar tem sido um importante pilar na geração de empregos e desenvolvimento sustentável no Brasil. Atualmente, há mais de 2 milhões de sistemas solares instalados em todo o território nacional, empregando quase 1 milhão de trabalhadores em diferentes níveis de especialização. Só em Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, o setor oferece emprego para mais de 350 mil pessoas. Segundo dados do INEEL, apenas em Minas Gerais, mais de 1.200 empresas de energia solar encerraram suas atividades desde o ano passado, resultando em 12 mil demissões diretas.
Heber Galarce, presidente do INEEL, chama atenção para o fato de que as reprovações automáticas colocam em risco o setor, prejudicando também consumidores que já sofrem com as tarifas energéticas altas e a instabilidade no fornecimento de energia. “É irônico que, em um país com vasto potencial solar, os consumidores sejam desencorajados de acessar uma fonte de energia limpa e sustentável. As concessionárias, ao invés de facilitarem o processo de conexão, estão impedindo o avanço de projetos que podem aliviar o impacto do consumo de eletricidade, reduzir as bandeiras tarifárias e fortalecer a matriz elétrica”, critica Galarce.
Tarifas e Custos Crescentes para os Consumidores
Os consumidores brasileiros que optaram pela energia solar não escapam das tarifas elevadas. Além de serem taxados pelo uso do sistema de distribuição, são penalizados com bandeiras tarifárias vermelhas que elevam as contas de energia. Com a recusa de novos projetos de microgeração, o acesso a uma alternativa sustentável e econômica fica restrito, gerando frustração e revolta entre os usuários.
Em São Paulo, onde ocorreu um blecaute recentemente, a população presenciou a vulnerabilidade da atual infraestrutura energética. Para Galarce, eventos como esse expõem a necessidade de uma matriz elétrica mais flexível e resiliente, que contemple, de forma ampliada, as energias renováveis como a solar. Ele ressalta: “O Brasil possui uma das maiores incidências solares do mundo e, no entanto, estamos assistindo a uma resistência das concessionárias em abraçar essa vantagem energética”.
A Manifestação “Proibir o Sol Não”
A mobilização marcada para esta sexta-feira, das 14h às 17h, pretende pressionar as concessionárias de energia para que revisem as reprovações de projetos solares. Os atos ocorrerão em frente às sedes da CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz) em Campinas e da RGE (Rio Grande Energia) em São Leopoldo, dois dos principais alvos das críticas.
Para os manifestantes, a luta vai além dos interesses econômicos. Trata-se da defesa de uma transição energética sustentável e da liberdade de escolha dos consumidores. Ao promover o slogan “Proibir o Sol Não”, a Aliança Solar enfatiza que os consumidores têm o direito de investir em uma fonte energética que combina economia e sustentabilidade.
A ação é respaldada por outros movimentos e entidades que também defendem a ampliação das fontes renováveis. De acordo com os organizadores, o impacto social e econômico da reprovação em massa dos projetos de energia solar é um retrocesso que pode comprometer o cumprimento das metas de sustentabilidade do Brasil e sua independência energética.
Desafios e Perspectivas
O futuro do setor de energia solar no Brasil depende de uma regulamentação equilibrada e do compromisso das concessionárias em facilitar o processo de conexão. Com a legislação vigente em seu favor, empresas e consumidores buscam assegurar o direito de gerar e consumir a própria energia de forma autônoma.
A manifestação da próxima sexta-feira deve ser um marco importante na luta pela energia limpa e descentralizada. Para além das perdas econômicas, os envolvidos ressaltam a urgência de uma nova postura que viabilize o acesso universal a fontes renováveis, respeitando o potencial do país e os direitos dos cidadãos. O setor e os consumidores esperam que a visibilidade da manifestação traga novas perspectivas para o diálogo e, sobretudo, soluções para destravar o setor de energia solar no Brasil.