A distribuidora acusa a agência reguladora de ignorar ordens judiciais e solicita medidas interventivas, além da prisão de diretores por desobediência
A Amazonas Energia, uma das maiores distribuidoras de eletricidade do Brasil, voltou à Justiça na sexta-feira, 27, exigindo a transferência imediata de seu controle acionário para a Âmbar Energia, empresa do conglomerado J&F, pertencente aos irmãos Batista. A ação judicial surge após a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) não cumprir uma decisão judicial que determinava a transferência da distribuidora à Âmbar, conforme proposta já apresentada pela empresa. A distribuidora acusa a agência de “descaso” em relação às ordens judiciais e pede medidas interventivas na Aneel, além de solicitar o afastamento e prisão de seus diretores por crime de desobediência.
A proposta dos irmãos Batista, feita em julho de 2023, vem após a Âmbar ser beneficiada por uma medida provisória (MP) do governo Lula que autorizava socorro financeiro à Amazonas Energia. A MP prevê a transferência de custos para a conta de luz dos consumidores brasileiros por até 15 anos, um processo que tem gerado controvérsias. O plano inicial da Âmbar possui um custo estimado de R$ 15,8 bilhões, quase o dobro do valor de R$ 8 bilhões recomendado pela área técnica da Aneel.
Impasse jurídico e administrativo
No início da semana, a Justiça Federal do Amazonas determinou que a Aneel concluísse a transferência da Amazonas Energia para a Âmbar em até 48 horas, prazo que se encerrou na tarde de sexta-feira, 27. No entanto, a Aneel recorreu da decisão no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), e a transferência ainda não foi realizada, aguardando novo julgamento.
Paralelamente, em uma reunião da diretoria da Aneel também realizada na sexta-feira, o processo de aprovação do plano de transferência terminou em impasse. O conselho da agência se dividiu ao analisar a proposta da Âmbar. Dois diretores, Ricardo Lavorato Tili, relator do processo, e Fernando Mosna, votaram contra o plano, defendendo que apenas um acordo que seguisse as recomendações técnicas – que apontam para um custo de R$ 8 bilhões – fosse aprovado.
Por outro lado, o diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, e a diretora Agnes da Costa optaram por uma abordagem mais flexível, aceitando uma nova proposta da Âmbar, apresentada de última hora na madrugada de sexta-feira. Essa proposta revisada propõe um custo de R$ 14 bilhões, uma redução em relação ao plano original, mas ainda significativamente superior ao valor estimado pela área técnica da agência.
A decisão final sobre a transferência foi adiada para a próxima terça-feira, 1º de outubro, quando a diretoria da Aneel retomará a discussão.
Controvérsia sobre a proposta da Âmbar
O relator Ricardo Tili argumentou que o plano dos irmãos Batista não resolve de forma satisfatória os problemas financeiros e operacionais da Amazonas Energia. Ele chegou a classificar a decisão judicial que obriga a transferência como “ilegal”, alegando que fere o interesse público e compromete a autonomia regulatória da Aneel. Citando um precedente de 1996 do Supremo Tribunal Federal (STF), Tili afirmou que “ninguém é obrigado a cumprir uma ordem ilegal”.
O departamento jurídico da Aneel reforçou esse ponto de vista, argumentando que, embora a agência deva cumprir o processo de transferência, não está obrigada a aceitar o plano da Âmbar nos moldes exatos em que foi apresentado. De acordo com a medida provisória que autorizou a venda da Amazonas Energia, a agência tem a obrigação de garantir que a transferência ocorra com o menor custo possível para os consumidores.
Ministério de Minas e Energia e insegurança no setor elétrico
Em nota oficial, o Ministério de Minas e Energia também se posicionou criticamente sobre a postura da Aneel. O ministro Alexandre Silveira destacou que os diretores da agência têm deliberadamente descumprido uma sentença proferida por uma juíza federal, o que, segundo ele, constitui uma violação clara da lei e do Estado Democrático de Direito. Silveira já havia alertado anteriormente, por meio de ofícios e declarações à imprensa, sobre possíveis distorções na execução das políticas públicas por parte da Aneel.
O impasse entre a Amazonas Energia, a Âmbar e a Aneel levanta preocupações sobre a criação de um cenário de insegurança jurídica no setor elétrico brasileiro. Especialistas alertam que essa instabilidade pode prejudicar não apenas os consumidores, que possivelmente arcarão com os custos da operação, mas também os investidores, que dependem de um ambiente regulatório previsível para continuar alocando recursos em infraestrutura energética no Brasil.