MP permite adesão de pequenos consumidores já em 2026, mas subsídios e sustentabilidade econômica preocupam analistas
O governo federal deu um passo significativo na transformação do setor elétrico brasileiro ao assinar a Medida Provisória (MP) da Reforma do Setor Elétrica, que antecipa a abertura do mercado livre de energia para consumidores de baixa tensão, como comércios, pequenas e médias indústrias. A mudança, que estava prevista para março de 2027, foi adiantada para agosto de 2026, acelerando um dos movimentos mais aguardados pelo setor.
A MP também amplia os benefícios tarifários para famílias de baixa renda, tornando o acesso à energia mais justo para uma parcela significativa da população. Entretanto, especialistas alertam que, apesar dos avanços, ainda persistem incertezas regulatórias que podem afetar tanto investidores quanto consumidores.
“A boa notícia é que temos uma antecipação do prazo. Antes era março de 2027, agora estamos falando em agosto de 2026. Isso significa que, em pouco mais de um ano, todas as empresas que operam na baixa tensão — comércio e pequenas indústrias — poderão acessar o mercado livre e escolher seu fornecedor de energia”, explica Alan Henn, CEO da Voltera, empresa especializada no setor elétrico.
Abertura do mercado livre: um marco para o setor elétrico
A abertura total do mercado livre de energia é um movimento que vem sendo construído no Brasil ao longo dos últimos anos. Atualmente, apenas grandes consumidores, como indústrias conectadas na alta tensão, têm liberdade para negociar diretamente com fornecedores, fugindo das tarifas tradicionais do mercado cativo.
Com a antecipação da liberalização, consumidores de menor porte, que somam cerca de 20 a 25% do mercado de energia elétrica nacional, poderão também se beneficiar de negociações mais competitivas, reduzindo custos e aumentando sua previsibilidade financeira.
“É, sem dúvida, uma excelente notícia para o setor produtivo, que historicamente sofre com custos elevados de energia. No entanto, é fundamental que a transição ocorra de forma estruturada e transparente, evitando riscos para os consumidores e para a sustentabilidade do mercado”, reforça Alan.
Incertezas regulatórias: subsídios no centro do debate
Apesar dos avanços, a MP traz pontos sensíveis que precisam ser debatidos com mais profundidade. Um dos principais está relacionado aos subsídios das fontes incentivadas, como energia solar, eólica, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas (PCHs).
Esses subsídios permitem que determinados grupos de consumidores tenham acesso a tarifas mais competitivas, impulsionando o desenvolvimento de fontes renováveis. Contudo, com a reconfiguração do mercado, há dúvidas sobre como esses benefícios serão mantidos, e, principalmente, quem arcará com os custos.
“Existe uma preocupação legítima. Ainda não sabemos se os subsídios serão incorporados na própria tarifa ou se haverá algum outro mecanismo financeiro. Isso pode impactar diretamente novos projetos e até o bolso de consumidores que hoje dependem desses descontos, como o grupo A (alta tensão)”, alerta Alan.
Aprovação no Congresso será decisiva
Por se tratar de uma Medida Provisória, o texto tem validade imediata, mas precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional em até 120 dias para não perder sua eficácia. A expectativa, tanto do setor elétrico quanto dos consumidores, é que durante a tramitação legislativa haja espaço para ajustes, debates técnicos e aprimoramentos.
Alan Henn destaca que, embora o movimento em direção à liberalização seja bem-vindo, a forma como foi conduzido, por meio de MP, acende um sinal de alerta no mercado.
“Estamos animados com as possibilidades que essa abertura traz, mas também preocupados. A ausência de uma discussão mais ampla com os agentes do setor pode gerar desconfortos, inseguranças jurídicas e até entraves operacionais no futuro”, observa.
Impacto direto na competitividade e no consumidor final
Se bem implementada, a antecipação da abertura do mercado livre poderá trazer benefícios expressivos para o setor produtivo, aumentando a competitividade, atraindo novos investimentos e fortalecendo a agenda de descarbonização, uma vez que amplia as opções por fontes limpas e renováveis.
Por outro lado, se não houver clareza sobre o tratamento dos subsídios e dos encargos setoriais, há risco de judicialização, distorções tarifárias e insegurança regulatória, fatores que podem comprometer os objetivos da própria reforma.
O debate sobre o futuro do setor elétrico brasileiro está oficialmente lançado. A aprovação da MP e os ajustes que serão feitos no Congresso serão determinantes para garantir que a reforma seja, de fato, uma alavanca de desenvolvimento sustentável e competitivo para o país.