Com apenas 10% dos investimentos em energia renovável destinados a países em desenvolvimento, IRENA alerta que o mundo corre risco de fracassar em sua meta de triplicar a capacidade renovável até 2030
A meta ambiciosa de triplicar a capacidade global de geração de energia renovável até 2030, estabelecida no Consenso dos Emirados Árabes Unidos durante a COP28, está sob ameaça. Isso porque a distribuição atual de investimentos no setor apresenta um desequilíbrio profundo: enquanto países desenvolvidos recebem a maior parte do capital, as economias em desenvolvimento — onde reside quase metade da população mundial — absorveram apenas 10% dos investimentos globais em 2023. Esse abismo financeiro pode comprometer não apenas os objetivos climáticos globais, mas também a viabilidade de uma transição energética justa e inclusiva.
De acordo com a Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA), alcançar a meta estipulada exigirá um investimento acumulado de US$ 31,5 trilhões até o fim da década. No entanto, esse montante não se limita à construção de novas usinas solares ou eólicas. Ele envolve ações coordenadas em três frentes essenciais: expansão da capacidade renovável, ganhos de eficiência energética e modernização da infraestrutura de redes e sistemas de flexibilidade.
O problema é que, apesar da urgência, os fluxos de capital continuam concentrados em países com menor risco político e financeiro. Na prática, isso significa que as regiões que mais precisam da transição energética — como grande parte da África, América Latina e Sul da Ásia — seguem à margem do processo.
O desafio do financiamento nos países em desenvolvimento
Segundo a IRENA, a falta de investimento nesses mercados se deve a fatores como instabilidade macroeconômica, volatilidade cambial, riscos regulatórios e incerteza política. Esses elementos, somados à escassez de projetos considerados “bancáveis” pelos grandes fundos internacionais, geram um ciclo de exclusão financeira que dificulta o avanço da infraestrutura renovável.
Para romper esse ciclo, é preciso adotar uma abordagem multifacetada e estrutural. Isso significa repensar o papel dos recursos públicos, reformar mecanismos de cooperação internacional e adotar instrumentos financeiros que mitiguem os riscos percebidos pelos investidores privados.
O financiamento climático precisa ser não apenas mais robusto, mas também mais estratégico. Recursos limitados devem ser alocados para fortalecer marcos regulatórios, criar ambientes estáveis para investimento e apoiar o desenvolvimento de projetos viáveis, especialmente em locais onde o capital privado tradicional reluta em entrar.
Planejamento energético e políticas públicas: os alicerces da mudança
A criação de políticas públicas claras, estáveis e de longo prazo é um dos primeiros passos para tornar os países em desenvolvimento mais atraentes ao capital internacional. A previsibilidade regulatória é um componente essencial da segurança jurídica que os investidores buscam.
Além disso, o planejamento energético nacional integrado é uma ferramenta essencial para alinhar os investimentos em renováveis com os objetivos de desenvolvimento econômico e social dos países. Esse tipo de planejamento coordena ações entre setores e atores diversos, reduzindo a fragmentação institucional e aumentando a previsibilidade dos projetos.
Nesse contexto, a Coalizão Global para o Planejamento Energético (GCEP), iniciativa que será lançada oficialmente durante a Cúpula de Planejamento Energético no Rio de Janeiro, em junho de 2025, surge como uma resposta promissora. Fruto da presidência brasileira do G20, a coalizão pretende fomentar o compartilhamento de experiências, boas práticas e metodologias que viabilizem o planejamento energético como alavanca para a atração de investimentos.
Financiamento combinado e mitigação de riscos
Um dos caminhos mais efetivos para atrair o capital privado é o financiamento misto, também conhecido como blended finance. Nesse modelo, o setor público entra com aportes estratégicos — como garantias, subsídios ou empréstimos concessionais — que reduzem o risco percebido de certos projetos. Essa combinação permite que empreendimentos em regiões mais instáveis se tornem viáveis, além de reduzir o custo do capital.
A IRENA destaca que, para que isso funcione, os países desenvolvidos e instituições multilaterais devem redesenhar suas abordagens de apoio ao Sul Global. O foco não pode ser apenas na bancabilidade estrita dos projetos, mas sim em sua capacidade de gerar impacto social, ambiental e econômico.
Recursos concessionais, empréstimos de baixo custo e garantias de risco devem ser usados para não apenas viabilizar projetos, mas também evitar o aumento do endividamento público, que já é uma realidade crítica em diversos países do Sul Global.
Projetos pequenos também precisam de apoio
Outro aspecto frequentemente negligenciado nas estratégias de financiamento climático é o suporte direto aos desenvolvedores de projetos em regiões em desenvolvimento. Muitos desses atores não conseguem acessar linhas de financiamento internacionais devido à complexidade dos critérios de elegibilidade e à falta de capacidade técnica para montar propostas robustas.
É nesse ponto que plataformas como a ETAF – Plataforma de Financiamento do Acelerador de Transição Energética se tornam fundamentais. Ao oferecer assistência técnica, capacitação e orientação estratégica, essas iniciativas aumentam a taxa de sucesso na obtenção de recursos e ampliam o leque de projetos viáveis no Sul Global.
Uma ação coordenada e urgente
Não há solução isolada para o desafio. É preciso combinar políticas públicas robustas, apoio técnico, planejamento energético, financiamento estratégico e cooperação internacional. O sucesso da transição energética global depende da inclusão ativa dos países em desenvolvimento, que hoje ainda enfrentam barreiras estruturais ao acesso ao capital.
Ao mesmo tempo, é importante lembrar que a transição energética não é apenas uma obrigação ambiental, mas também uma enorme oportunidade de desenvolvimento econômico e social. Ela pode gerar empregos, aumentar a segurança energética e melhorar a qualidade de vida de milhões de pessoas. Mas, para isso, é necessário que os investimentos fluam para onde são mais necessários.