Com apoio regulatório e inovação, setor se fortalece como alternativa renovável e sustentável para energia e combustíveis de baixo carbono
O Brasil está no centro de uma revolução energética silenciosa, porém promissora: o avanço do mercado de biogás e biometano. Com o objetivo de reduzir emissões, transformar resíduos em energia e impulsionar a descarbonização da matriz energética, o país tem apostado em políticas públicas e incentivos que colocam os biocombustíveis renováveis no centro da transição energética brasileira.
A base normativa para esse avanço é o Decreto Federal nº 11.003, de 21 de março de 2024, que institui a “Estratégia Federal de Incentivo ao Uso Sustentável de Biogás e Biometano”. O dispositivo visa fomentar o uso dessas fontes como alternativas energéticas renováveis e sustentáveis, estimulando programas para reduzir as emissões de metano, um dos gases de efeito estufa mais potentes. Essa iniciativa está alinhada aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU).
Segundo Nahima Razuk, sócia do escritório Razuk Barreto Valiati e especialista em investimentos sustentáveis, o biogás é um combustível renovável obtido a partir da decomposição de resíduos orgânicos. Já o biometano é uma forma purificada do biogás, composta essencialmente por metano. A regulação técnica desses combustíveis fica a cargo da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Potencial econômico e ambiental promissor
Dados da consultoria internacional SNS Insider mostram que o mercado global de “Waste to Energy” deve crescer a uma taxa anual de 4,7% até 2030. Em 2022, esse mercado era avaliado em US$ 33,6 bilhões e deve atingir cerca de US$ 48 bilhões no final da década. A abordagem visa a valorização energética de resíduos sólidos urbanos, industriais, agrícolas e perigosos, criando sinergia entre gestão de resíduos e geração de energia limpa.
“Essa tecnologia não apenas trata resíduos, mas também gera eletricidade e calor, representando uma solução dupla para dois grandes desafios urbanos: lixo e energia”, afirma Nahima Razuk.
O entusiasmo com o setor também chegou ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em evento promovido pela Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren), o gerente setorial de Gás, Petróleo e Navegação do banco, André Pompeo, afirmou que o potencial do biogás e do biometano no Brasil é igual ou superior ao do hidrogênio verde.
Projetos em operação e resultados concretos
No campo prático, o Brasil tem avançado de forma consistente. O estado do Paraná lidera a produção nacional de biogás, com 426 plantas operacionais, segundo levantamento da CIBiogás (Centro Internacional de Energias Renováveis). Um dos destaques é a Usina Termoelétrica a Biogás (UTB), em operação desde 2021 na cidade de Ponta Grossa, que transforma resíduos orgânicos urbanos em energia por meio de biodigestores.
“Essa usina se tornou referência ao abastecer prédios públicos com energia limpa, resultado de um projeto de saneamento que alia sustentabilidade, inovação e eficiência energética”, ressalta Nahima, que atuou na assessoria jurídica do empreendimento.
Outro exemplo marcante é a iniciativa da Itaipu Binacional, que inaugurou, em junho de 2024, a primeira planta-piloto do Brasil dedicada à produção de combustível sintético a partir do biogás. A unidade tem capacidade de gerar 6 quilos de combustível sustentável por dia, destinado à aviação, e serve como modelo para futuros projetos de larga escala.
Resíduos: um ativo abundante e estratégico
A matéria-prima para esses processos está disponível em abundância. Segundo a Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), em 2022 o Brasil produziu 81,8 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos, o equivalente a 224 mil toneladas por dia, ou cerca de 1,043 kg por habitante/dia. Um recurso disponível, ainda pouco aproveitado, mas com enorme valor energético.
“O país tem um potencial extraordinário para transformar lixo em energia, o que nos coloca em posição estratégica para liderar o uso de biocombustíveis no hemisfério sul”, destaca Nahima.
Rumo a uma matriz mais limpa e descentralizada
O crescimento do setor não representa apenas ganhos ambientais, mas também econômicos e sociais. A expansão de plantas de biogás e biometano contribui para a descentralização da matriz energética, gera empregos locais, reduz a dependência de combustíveis fósseis e promove o desenvolvimento regional sustentável.
Além disso, as iniciativas estão fortemente ligadas aos princípios da agenda ESG (ambiental, social e de governança), condição cada vez mais exigida por investidores nacionais e internacionais.
Com regulação clara, apoio institucional e uma abundante oferta de resíduos, o Brasil tem tudo para transformar o biogás e o biometano em protagonistas da transição energética nacional. E, ao fazer isso, poderá cumprir não só suas metas climáticas, mas também garantir segurança energética, competitividade e inclusão social.