Seminário em Porto Alegre destaca a produção científica das universidades do RS e lança livro com estudos essenciais para adaptação e sustentabilidade
Em um cenário global marcado por eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, o Rio Grande do Sul se destaca ao transformar a tragédia em conhecimento e estratégia. Na última sexta-feira (14), pesquisadores das principais universidades federais do estado se reuniram no salão de atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, para apresentar os resultados do projeto “RS: Resiliência & Sustentabilidade”. A iniciativa, promovida pelo governo federal em parceria com a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), consolidou uma série de estudos voltados para a adaptação climática e a resiliência social e ambiental.
O seminário, que durou cerca de nove horas, marcou o encerramento do projeto e o lançamento do livro “RS – Reflexões para a Reconstrução do Rio Grande do Sul“, reunindo análises detalhadas das linhas de pesquisa desenvolvidas. Os trabalhos abrangem desde a compreensão das enchentes históricas até propostas de inovação tecnológica e reestruturação socioeconômica para a reconstrução do estado.
Durante a abertura do evento, o ex-ministro da Secretaria para Apoio à Reconstrução do RS (SERS), Paulo Pimenta, destacou a importância da ciência no enfrentamento da crise climática. “Não podemos abrir mão da inteligência e das pesquisas científicas produzidas por nossas universidades. O conhecimento é essencial para construir ações eficazes no presente e planejar o futuro”, afirmou.
Do desastre à reconstrução
O evento também trouxe à tona a memória da enchente de maio de 2024, uma das maiores tragédias ambientais do estado. O ex-secretário-executivo da SERS, Maneco Hassen, relembrou o impacto devastador: mais de 419 mil famílias e 50 mil empresas precisaram de auxílio emergencial, e o governo federal já investiu mais de R$ 80 bilhões na recuperação da região.
A reitora da UFRGS, Márcia Barbosa, reforçou a necessidade de abandonar a cultura da reação tardia. “Cientistas da Rede Clima alertam há uma década para o aumento das chuvas no Sul, a seca na Amazônia e o desmatamento no Centro-Oeste. Em maio de 2024, quando as chuvas vieram, foi surpresa para zero cientistas. Chega de universidade ‘band-aid’, chamada só na hora da emergência”, criticou.
Um olhar global e uma resposta local
O seminário também contou com a participação da filipina Sara Jane Ahmed, conselheira do V20 — grupo que reúne os países mais vulneráveis às mudanças climáticas. Ela ressaltou a urgência de mobilizar capital para proteger essas nações, que contribuem com apenas 6% das emissões globais, mas sofrem desproporcionalmente com os impactos da crise climática. “São países que querem sobreviver. Precisamos de US$ 49 bilhões anuais para financiar medidas de adaptação, mas a arquitetura financeira global dificulta o acesso dos mais vulneráveis a esses recursos”, explicou.
Inamara Mélo, diretora de Políticas para Adaptação e Resiliência à Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, destacou que a adaptação climática não é um tema exclusivo da área ambiental. “Precisamos de uma estratégia multisetorial, abrangendo saúde, economia e infraestrutura. A adaptação não é uma escolha, é uma necessidade e uma responsabilidade compartilhada entre todos os entes federativos”, afirmou.
Pesquisas apontam soluções práticas
Ao longo do seminário, foram apresentadas diversas pesquisas inovadoras. Entre os destaques, o professor Walter Collichonn, do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, analisou as condições geográficas e hidrológicas que agravaram a enchente de 2024. Já o professor Gustavo Brunetto, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), discutiu os impactos da inundação nos solos da Serra Gaúcha e propôs práticas para reconstrução sustentável da região.
No campo da tecnologia, o professor Fabricio Harter, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), demonstrou como a inteligência artificial pode melhorar a previsão climática de curto prazo, reduzindo o impacto dos desastres. Além disso, pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) apresentaram o uso de “Digital Twins” — modelos virtuais que simulam cenários reais — para prever e mitigar os danos causados por enchentes.
Conclusão: ciência como pilar da resiliência
O seminário terminou com uma reflexão marcante da arquiteta Luciana Miron, da UFRGS. Ela revelou que muitos dos pesquisadores envolvidos nas diferentes linhas de estudo não se conheciam antes do projeto. No entanto, os resultados mostraram uma conexão e complementaridade surpreendentes entre os trabalhos. “O enfrentamento à crise climática é, por essência, multisetorial. E a integração das pesquisas é prova disso”, concluiu.
O livro “RS – Reflexões para a Reconstrução do Rio Grande do Sul“, lançado durante o evento, está disponível gratuitamente para download e reúne o conhecimento produzido ao longo do projeto, oferecendo um guia valioso para gestores públicos, pesquisadores e a sociedade.