Decisão impacta empresas eólicas e solares, enquanto protege consumidores contra repasses bilionários de custos
Uma decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) colocou em suspenso o ressarcimento integral às empresas de geração eólica e solar pelos cortes de produção, conhecidos como constrained-off. O presidente do STJ, ministro Herman Benjamin, atendeu a um pedido da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), destacando a necessidade de uma análise técnica mais profunda sobre a questão antes que custos bilionários sejam transferidos diretamente às contas de energia dos consumidores brasileiros.
A controvérsia surgiu em decorrência da Resolução Normativa 1.030/2022, publicada pela Aneel, que limitou a compensação financeira por cortes de geração apenas às interrupções externas às usinas. A medida foi alvo de críticas por associações representativas do setor, como a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) e a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). Essas entidades afirmam que a norma ultrapassa os limites do poder regulador da agência e compromete a viabilidade financeira das empresas, expondo-as a riscos no mercado de curto prazo.
No entanto, o STJ sinalizou que a questão é mais complexa do que aparenta, ressaltando a necessidade de equilíbrio entre a sustentabilidade financeira do setor elétrico e a proteção dos consumidores.
Entenda o Conflito
O ponto central da discussão está na compensação pelos cortes de geração de energia. Tradicionalmente, a legislação do setor elétrico brasileiro, como a Lei 10.848/2004 e o Decreto 5.163/2004, garante que os geradores sejam ressarcidos por interrupções na produção, independentemente da causa. Entretanto, a Resolução Normativa 1.030/2022 introduziu um critério de diferenciação, limitando os pagamentos apenas às interrupções externas, como falhas no sistema de transmissão.
As associações do setor renovável argumentam que essa limitação ignora a natureza volátil do mercado de energia e transfere um risco excessivo às empresas geradoras, prejudicando fluxos de caixa e, em última instância, comprometendo investimentos futuros em geração renovável. Elas afirmam que a compensação por cortes de geração é essencial para garantir a previsibilidade financeira necessária em um mercado tão dinâmico quanto o de energia.
Por outro lado, a Aneel defende que a norma busca proteger os consumidores contra aumentos desproporcionais nas tarifas de energia. O impacto financeiro de ressarcimentos integrais, segundo a agência, poderia ser bilionário, criando um ônus significativo para consumidores cativos e livres em um momento em que o custo de vida já é uma preocupação generalizada.
Decisão do STJ: Um Freio ao Ressarcimento Imediato
Ao atender o pedido da Aneel, o ministro Herman Benjamin destacou que repassar custos bilionários diretamente aos consumidores seria precipitado, especialmente sem uma análise mais profunda dos impactos regulatórios e financeiros. Ele também afirmou que os eventuais prejuízos das empresas deverão ser comprovados nos processos judiciais principais e poderão, se necessário, ser renegociados contratualmente.
Benjamin observou que a questão envolve nuances técnicas e jurídicas que demandam um exame cuidadoso, especialmente em um setor estratégico como o elétrico, no qual as decisões têm repercussões amplas tanto para os agentes econômicos quanto para os consumidores finais.
A suspensão do ressarcimento vale até que eventuais apelações sejam julgadas em definitivo. Até lá, o setor elétrico segue em compasso de espera, monitorando as possíveis implicações dessa decisão.
Impactos no Mercado de Energia Renovável
Especialistas avaliam que a decisão do STJ reflete uma tensão constante no setor: equilibrar a expansão das fontes renováveis de energia com a necessidade de manter as tarifas acessíveis para a população. O Brasil, que tem se consolidado como líder em energia limpa, enfrenta o desafio de atrair investimentos privados sem onerar excessivamente os consumidores.
Enquanto o mercado observa os desdobramentos do caso, as associações do setor renovável temem que a resolução crie um precedente que desestimule novos investimentos em energia solar e eólica, áreas fundamentais para o cumprimento das metas climáticas e de sustentabilidade do país.
Ainda que a decisão represente uma vitória para os consumidores no curto prazo, o debate sobre o equilíbrio entre regulação e viabilidade financeira dos agentes do setor permanece aberto, destacando a necessidade de um diálogo contínuo entre empresas, reguladores e sociedade civil.