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Desafios atuais para a continuidade da expansão da fonte solar no Brasil

Desafios atuais para a continuidade da expansão da fonte solar no Brasil

Por Henrique Reis e William Mendes, L.O. Baptista Advogados

É inegável o potencial de energia renovável do Brasil, o que se reflete em sua matriz elétrica, uma das mais limpas do mundo, com sua história movida pela expansão de grandes hidrelétricas com reservatórios. Nos últimos anos, a participação hidrelétrica vem reduzindo gradativamente, acompanhada de uma forte expansão das chamadas novas renováveis, em especial a partir das fontes solar e eólica.

Essa expansão se deve em grande parte, além dos avanços tecnológicos e do amadurecimento da cadeia produtiva, a mecanismos de contratação e políticas de incentivo exitosos, tais como o PROINFA e descontos tarifários concedidos por lei à geração centralizada (GC) e à mini e microgeração distribuída (MMGD). Basta observar que a fonte solar, que teve seu primeiro empreendimento de maior escala instalado no país em 2011, atingiu em novembro a marca de 50 GW de capacidade instalada.

Todavia, nos últimos anos, os investidores em fontes renováveis vêm enfrentando desafios impostos pelos regimes de transição para extinção desses benefícios tanto para a GC quanto para a MMGD e por entraves relacionados à disponibilidade da rede elétrica.

Em 2020, com a edição da MP nº 998/2020, convertida na Lei nº 14.120/2021, houve o estabelecimento de regras de transição para o fim do desconto nas Tarifas de Uso dos Sistemas de Transmissão e Distribuição (TUST/D) para a GC. Por essas regras, para manter o direito ao desconto, os interessados teriam até 02.03.2022 (12 meses após a Lei) para solicitar novas outorgas, bem como entrar em operação em até 48 meses depois da outorga.

Tal cenário levou a uma verdadeira “corrida do ouro”, como ficou conhecido o elevado número de pedidos de outorga submetidos pelos interessados com a finalidade de garantir o benefício tarifário. Segundo dados da ANEEL, os pedidos protocolados totalizavam aproximadamente 200 GW de potência, correspondente a quase toda a matriz elétrica brasileira, que só superou essa marca em 07.03.2024.

O efeito colateral da medida, além de sobrecarregar o regulador, foi sentido nos sistemas de transmissão, cuja expansão não aconteceu na mesma velocidade de desenvolvimento de projetos de geração centralizada. Esse cenário de escassez de margem de escoamento vem resultando em uma forte concorrência pelo acesso à rede, e poderá dificultar a viabilização de diversos projetos, que têm data-limite para entrar em operação, sob pena de não fazer jus ao desconto tarifário.

Além disso, para os projetos já em operação, diversos são os episódios de curtailment, cortes de geração comandados pelo ONS por impossibilidade de escoamento de geração em alguns momentos. Em virtude de restrições na regulação pela ANEEL ao ressarcimento por esses cortes, tem havido intensa judicialização pelos agentes afetados, que têm pleiteado a não limitação ao ressarcimento dos eventos de curtailment via Encargos de Serviços de Sistema (ESS). Recentemente, Associações dos segmentos eólico e solar (ABEEólica e ABSOLAR) obtiveram tutela de urgência perante o TRF da 1ª Região, no sentido de suprimir, a partir da decisão, certas restrições regulatórias ao ressarcimento pelos cortes.

Por sua vez, a MMGD, que teve seu marco regulatório instituído pela Resolução Normativa (REN) nº 482/2012, que instituiu o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE), que permite aos beneficiários compensar seu consumo de energia pela energia injetada por central de MMGD, tem enfrentado problemas similares. Nesse caso, a Lei nº 14.300/2022, que instituiu o marco legal da MMGD, também estabeleceu data-limite (neste caso, até 07.01.2023) para o protocolo de solicitação de acesso, a fim de manter o benefício de compensação integral da energia injetada nas redes de distribuição até 2045. Para os pedidos protocolados em data posterior, a lei estabelece uma compensação apenas parcial, que será gradualmente reduzida ao longo dos anos, e, portanto, economicamente menos atrativa.

Assim como na geração centralizada, esse cenário também gerou um volume elevado de projetos protocolados para fazer jus ao benefício, com extensos efeitos colaterais em razão da forte expansão do segmento, que já ultrapassou 35 GW de potência, segundo dados do ONS.

Esse cenário tem resultado em extensas discussões entre distribuidoras, consumidores e regulador, em relação a entraves impostos à implantação dos projetos, relacionadas à inversão de fluxo de potência, à reprovação de projetos pela distribuidora, a atrasos no processamento dos pedidos e nas obras de rede, ao desenquadramento de usinas do regime de GD I, entre outros temas.

Por fim, vale destacar que, seja na GC, seja na MMGD, o TCU promoveu recentes fiscalizações voltadas a identificar a eventual percepção de benefícios tarifários de forma irregular pelos agentes setoriais e consumidores, expedindo recomendações e determinações à ANEEL, que tende a examinar com maior rigor algumas práticas do setor.

Em suma, são esses alguns dos desafios que o segmento de geração solar tem enfrentado nos últimos anos, os quais devem ser endereçados nas várias frentes em discussão para a inserção de novas regras e de novas tecnologias (tais como novas soluções de armazenamento), para propiciar a continuidade da expansão das novas renováveis, fundamental ao atendimento das metas de descarbonização da matriz nos próximos anos.

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