Transação que envolve R$ 14 bilhões em custos a consumidores é aprovada sem deliberação da diretoria da agência reguladora, e suscita polêmica sobre a gestão de energia no Amazonas
A venda da distribuidora de energia Amazonas Energia ao grupo J&F, dos irmãos Wesley e Joesley Batista, foi aprovada na última semana pelo diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Sandoval Feitosa. O negócio, que gera um impacto de R$ 14 bilhões nas contas de luz dos consumidores, levanta preocupações sobre a transparência e a regulação do setor elétrico no Brasil.
A decisão, que ocorreu de forma monocrática e sem a deliberação da diretoria colegiada da Aneel, é considerada incomum e tem gerado críticas. Feitosa seguiu um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) para cumprir uma decisão judicial que determinava a aprovação da venda. A movimentação ocorre em meio a uma série de reviravoltas jurídicas e administrativas que marcaram a negociação.
Na semana anterior, a Aneel havia aprovado a venda da distribuidora com um plano que limitava o repasse de custos aos consumidores em R$ 8 bilhões, no entanto, a Âmbar Energia, que é a empresa do grupo J&F responsável pela aquisição, contestou os termos. O recurso apresentado pela Âmbar argumentava que o modelo proposto tornava o negócio inviável. Diante da pressão judicial, Feitosa reverteu a situação e aprovou a transferência de controle da distribuidora nos moldes mais vantajosos para a empresa, mas significativamente mais caros para os consumidores.
A decisão foi assinada um dia antes de uma reunião extraordinária da Aneel, que iria discutir o recurso da Âmbar. O despacho também citou a juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe, que havia dado um prazo para a Aneel restaurar o cálculo que favorecia a Âmbar. A decisão foi emitida “sub judice”, ou seja, em meio a uma contestação judicial, o que levanta questões sobre a legitimidade e a estratégia regulatória da Aneel.
A aprovação da venda está diretamente ligada a uma medida provisória publicada pelo governo que prevê flexibilizações nas regras de venda da Amazonas Energia. A medida, que perderá validade no próximo dia 10, permite que determinados custos da distribuidora, incluindo os altos índices de furtos de energia, ônus com sobrecontratação involuntária e despesas operacionais, sejam transferidos para a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), que é paga por todos os consumidores.
A medida também permite que contratos de usinas termelétricas adquiridos pela Âmbar sejam convertidos de “compra e venda de energia” para “reserva de energia”. Isso implica que as usinas, que deveriam ser custeadas pela Amazonas, agora serão financiadas exclusivamente pelos consumidores, o que representa uma mudança significativa na estrutura de custos do setor.
A Amazonas Energia, responsável pela distribuição de energia no estado do Amazonas, enfrenta uma grave crise financeira. A Eletrobras, que antes detinha a concessão, deixou o segmento de distribuição e, desde 2019, o contrato foi assumido pelo Consórcio Oliveira Energia. Contudo, a distribuidora não conseguiu atingir níveis sustentáveis do ponto de vista econômico-financeiro e possui uma dívida que ultrapassa R$ 10 bilhões. A Aneel já havia recomendado a cassação do contrato em novembro de 2023 devido a essa instabilidade.
A flexibilização das regras, promovida pela medida provisória, busca garantir a continuidade da prestação de serviços à população, ameaçada pela crise financeira da Amazonas Energia. A Âmbar Energia havia apresentado um plano para assumir a distribuidora em junho, mas o documento foi considerado insatisfatório pela área técnica da Aneel.
Além disso, a decisão judicial que impulsionou a venda ressalta a tensão entre a regulação do setor elétrico e as pressões políticas e econômicas enfrentadas pelas empresas. Com o novo cenário, o grupo J&F busca maximizar seus lucros à custa do consumidor, o que gera um clima de incerteza e descontentamento entre os usuários da energia no Amazonas.
A aprovação da venda da Amazonas Energia levanta preocupações sobre a responsabilidade regulatória da Aneel e a gestão de crises financeiras no setor elétrico, em um contexto em que a transparência e a ética são fundamentais.