Medida pode elevar limites de transmissão no Programa Mensal de Operação de julho, com impacto direto na redução de perdas bilionárias por corte de geração e no avanço da transição energética
O Ministério de Minas e Energia (MME) informou que novos limites de transmissão de energia elétrica devem constar no Programa Mensal de Operação (PMO) referente ao mês de julho de 2025. A medida, aguardada com expectativa pelo setor elétrico, pode aliviar gargalos estruturais que hoje impedem o pleno aproveitamento da geração renovável no Nordeste, região que sofre com o chamado curtailment — o desligamento forçado de usinas por falta de capacidade de escoamento.
A proposta está em discussão no âmbito do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) e inclui a avaliação de critérios operativos mais flexíveis para o Sistema Interligado Nacional (SIN). Entre as hipóteses analisadas está a possibilidade de operar parte da rede em regime N-1, que admite a perda de um único equipamento sem interrupção do fornecimento, em vez do critério atual N-2, mais conservador, que exige redundância para suportar dois eventos simultâneos.
“Na reunião do PMO de julho de 2025, marcada para 26 de junho, o ONS apresentará os resultados da avaliação solicitada pelo CMSE sobre a adoção de critérios diferenciados de operação e os eventuais impactos na redução de cortes de geração renovável”, declarou o MME.
Menos redundância, mais energia limpa
A mudança de critério não é inédita. Em 2021, durante a crise hídrica, o governo já havia adotado a operação em N-1 em períodos específicos, o que resultou em um aumento de 2.850 MW na capacidade de intercâmbio entre as regiões Norte/Nordeste e o Centro-Sul do país.
Se aprovada, a medida atual poderia liberar centenas de megawatts para escoamento de energia renovável, principalmente eólica e solar, cuja produção cresce rapidamente no Nordeste. Com a ausência de infraestrutura suficiente para absorver esse crescimento, as perdas para os geradores já são bilionárias, além de comprometerem projetos estratégicos como plantas de hidrogênio verde e data centers, que dependem de energia limpa e contínua.
Novos Sistemas Especiais de Proteção (SEP) e reforço na transmissão
Além da avaliação operacional, o CMSE também analisou a implementação de novos Sistemas Especiais de Proteção (SEP), solução que permite elevar os limites de transmissão sem comprometer a segurança do sistema. O MME estima que o aprimoramento do SEP pode viabilizar até 1,8 GW adicionais de capacidade no SIN, com destaque para reforços no Bipolo de Xingu, operado pela State Grid.
Em abril, o ONS identificou potencial de aumento de até 1 GW na capacidade de intercâmbio entre as subestações Colinas, Ribeiro Gonçalves e São João do Piauí, no Piauí. A expectativa é que os ajustes técnicos nos equipamentos sejam finalizados ainda no primeiro semestre de 2025.
“O aprimoramento do SEP é importante e contribuirá para mitigar os efeitos do curtailment de geração renovável variável. Os agentes proprietários já foram acionados para implementar os ajustes”, informou o ONS.
Perspectiva hídrica crítica e desafios regionais
O avanço das medidas se dá em um momento de alerta hidrológico. Segundo dados do CMSE, junho poderá registrar o menor nível de capacidade de geração hidrelétrica da série histórica de 95 anos. Os reservatórios da região Sul estão com apenas 36% de armazenamento, o pior índice entre os subsistemas.
Com a estiagem, cresce a dependência da geração eólica do Nordeste e do despacho de térmicas. A previsão é de que a energia natural afluente (ENA) no mês alcance apenas 62% da Média de Longo Termo (MLT) no SIN como um todo — índice que reforça a necessidade de um sistema mais flexível e resiliente.
Infraestrutura e regulação são entraves para o futuro da matriz elétrica
A nota do MME ainda destaca temas estratégicos debatidos na última reunião do CMSE, como:
- Obras da linha de transmissão entre Manaus e Boa Vista, com 90% de execução e entrega prevista para o segundo semestre de 2025.
- Discussões sobre o modelo CVaR, usado como métrica de aversão a risco nos modelos computacionais do setor, cuja consulta pública (nº 186) segue aberta até 3 de julho.
- Situação da importação de gás natural da Bolívia e liberação de novas estruturas de escoamento de gás, como a estação de compressão de Japeri (RJ), que impactam a geração térmica.
Conclusão
A possível adoção de critérios mais flexíveis para operação do sistema elétrico e os investimentos em infraestrutura representam uma tentativa de conciliar segurança energética com o avanço da transição energética no Brasil. No entanto, a efetiva redução dos cortes de geração renovável dependerá da agilidade do ONS e da coordenação entre governo e agentes privados para remover gargalos técnicos e regulatórios.
A decisão sobre os novos limites de transmissão e critérios operacionais será apresentada no PMO de julho, em 26 de junho, e pode marcar um ponto de inflexão na capacidade do Brasil de aproveitar todo o seu potencial de geração limpa.