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Energia e geopolítica: EUA demonstram interesse no excedente energético de Itaipu para impulsionar indústria de Inteligência Artificial

Geopolítica da Energia: EUA miram excedente de Itaipu para impulsionar indústria de Inteligência Artificial

Declaração de secretário de Estado norte-americano sugere interesse estratégico dos EUA na energia não utilizada pelo Paraguai, acirrando disputa em torno do futuro de Itaipu e ampliando tensões entre Brasil e Paraguai.

Em meio à delicada renegociação do tratado que rege a gestão e a distribuição de energia da usina hidrelétrica binacional de Itaipu, um novo e importante elemento geopolítico surge: os Estados Unidos demonstraram interesse explícito no excedente energético atualmente controlado pelo Paraguai. A manifestação pública ocorreu nesta terça-feira (20), durante audiência na Comissão de Relações Exteriores do Senado norte-americano, quando o secretário de Estado, Marco Rubio, indicou que o potencial ocioso da energia de Itaipu poderia ser usado para impulsionar a indústria de Inteligência Artificial (IA) nos EUA.

“Alguém, se for inteligente, vai para o Paraguai e vai abrir uma indústria de IA”, afirmou Rubio, em referência direta ao fim do acordo histórico que, por décadas, garantiu ao Brasil o direito de adquirir a energia que o Paraguai não consome. O secretário complementou: “Temos que discutir como investiremos em países que têm um suprimento de energia capaz de atender a essa demanda”.

A fala é estratégica e não pode ser interpretada como mero comentário casual. Ela evidencia a intenção dos Estados Unidos de ampliar sua influência em um dos principais ativos energéticos da América do Sul, em um momento particularmente sensível para a diplomacia regional. Isso ocorre justamente quando Brasil e Paraguai travam intensas negociações sobre o Anexo C do tratado de Itaipu, que define as bases financeiras e tarifárias da hidrelétrica e cuja renovação é prevista para até o fim de maio deste ano.

Disputa pela energia excedente

A geração de energia da usina de Itaipu é historicamente dividida de forma igualitária entre os dois países. Entretanto, o Paraguai consome apenas cerca de 17% de sua cota, vendendo o restante ao Brasil a um preço fixado pelo CUSE (Custo Unitário dos Serviços de Eletricidade). Em 2024, Brasil e Paraguai chegaram a firmar um pré-acordo que permitiria ao Paraguai vender diretamente esse excedente ao mercado livre brasileiro, movimento que, em tese, traria mais eficiência ao sistema e poderia baratear os custos de energia.

Porém, as negociações foram abruptamente interrompidas após denúncias de que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) teria espionado autoridades paraguaias envolvidas no processo. O episódio resultou em um grave abalo diplomático, aumentando a desconfiança do governo paraguaio em relação ao Brasil. Esse desconforto foi exacerbado pela percepção de que o Brasil, ao apoiar o candidato do Suriname à presidência da Organização dos Estados Americanos (OEA), contrariou os interesses paraguaios, que também apresentavam um nome à disputa.

Neste contexto de tensão bilateral, a manifestação de Marco Rubio soou como uma clara sinalização do apetite norte-americano pelo potencial energético paraguaio. “Eles tinham um acordo de longo prazo com o Brasil, em que vendiam 50% da energia produzida. Esse acordo expirou, e agora estão tentando decidir o que fazer com essa eletricidade que não irá mais automaticamente ao Brasil. Eles não podem colocá-la em um navio e exportá-la, então alguém, se for esperto, vai instalar um data center no Paraguai”, afirmou Rubio, deixando explícito o interesse dos EUA em aproveitar essa oportunidade.

Implicações para o Brasil e para a América do Sul

A movimentação norte-americana acende um sinal de alerta em Brasília, sobretudo no Ministério da Fazenda, que busca consolidar o Brasil como um polo global de atração para investimentos em Inteligência Artificial e tecnologia. Recentemente, o ministro Fernando Haddad esteve nos Estados Unidos justamente com esse objetivo, apresentando como vantagem competitiva a disponibilidade abundante de energia limpa e renovável, como a gerada por Itaipu.

Entretanto, caso o Paraguai decida, como está autorizado pelo pré-acordo, vender sua energia excedente diretamente no mercado livre internacional, incluindo eventualmente para empresas norte-americanas, o plano brasileiro poderá ser comprometido. A eventual perda de acesso a essa energia não apenas enfraquece a capacidade do Brasil de atrair investimentos no setor de tecnologia de ponta, mas também pode reduzir a competitividade do país na emergente economia digital, onde o suprimento de energia renovável é um diferencial decisivo.

Além disso, a possível inserção dos Estados Unidos como player no destino da energia de Itaipu pode alterar de forma significativa a dinâmica geopolítica na região. A presença norte-americana ampliaria o espectro de interesses externos sobre o ativo energético, com potenciais efeitos sobre a soberania dos países envolvidos e a estabilidade das relações sul-americanas.

O futuro de Itaipu e o xadrez geopolítico

A situação atual evidencia como a energia, além de recurso estratégico, é também vetor central das disputas políticas e econômicas no século XXI. O desfecho das negociações em torno do Anexo C definirá não apenas a política energética de Brasil e Paraguai para os próximos anos, mas poderá também abrir ou fechar portas para novos atores internacionais.

Para o Brasil, o desafio está em equilibrar sua histórica posição de parceiro privilegiado do Paraguai na gestão de Itaipu, com a necessidade de assegurar seu próprio desenvolvimento tecnológico e econômico. Para o Paraguai, trata-se de uma oportunidade sem precedentes de redefinir sua política energética, potencializando receitas e ampliando sua presença no mercado internacional.

Enquanto isso, os Estados Unidos se posicionam de maneira pragmática e agressiva, identificando uma oportunidade estratégica na região. Como bem resumiu Marco Rubio, “se alguém for inteligente”, vai explorar esse potencial — e os EUA estão claramente se preparando para isso.

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