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Fluxo Reverso Escancara Descompasso entre Geração Distribuída e Distribuidoras

Fluxo Reverso Escancara Descompasso entre Geração Distribuída e Distribuidoras

Especialistas divergem em audiência pública sobre limites da infraestrutura atual e necessidade de modernização regulatória

O crescimento acelerado da geração própria de energia elétrica no Brasil, especialmente por meio de sistemas fotovoltaicos, tem provocado intensos debates no setor elétrico sobre os impactos da energia injetada na rede de distribuição. Em audiência pública realizada nesta terça-feira (6), na Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara dos Deputados, especialistas, representantes de entidades e parlamentares divergiram sobre a questão do fluxo reverso, efeito provocado quando consumidores que geram sua própria energia enviam o excedente de volta à rede.

Tradicionalmente, a eletricidade percorre um caminho unidirecional: das subestações, passando pelas redes de média e baixa tensão, até chegar ao consumidor final. Com a micro e minigeração distribuída (MMGD), no entanto, esse fluxo se inverte em determinados pontos, criando desafios técnicos e regulatórios.

O presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira, foi enfático ao afirmar que a questão não é meramente comercial, mas técnica. “Esses gargalos existem. Eles precisam ser tratados com seriedade”, afirmou. Segundo ele, a infraestrutura das distribuidoras não foi projetada para suportar a quantidade de energia que está sendo injetada atualmente, o que compromete a estabilidade e a segurança do sistema.

De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), são realizadas cerca de oito novas conexões por minuto de unidades consumidoras com geração própria no país. Isso tem pressionado os limites operacionais da rede em alguns estados, conforme indicou relatório recente do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). O documento apontou que nove estados brasileiros já enfrentam riscos de sobrecarga devido ao fluxo reverso: Bahia, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Rondônia.

Críticas às distribuidoras

Na outra ponta do debate, a vice-presidente de geração distribuída da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Bárbara Rubim, acusou as distribuidoras de utilizarem o argumento do fluxo reverso como justificativa para negar novas conexões. Segundo ela, após a publicação da Resolução Normativa Aneel nº 1.098/2024, que tenta regulamentar a questão, as concessionárias estariam restringindo injustamente o acesso à rede.

“A resolução trouxe três hipóteses em que a análise de fluxo reverso é dispensada, como quando o consumidor consome toda a energia gerada. Qualquer modelo fora disso está sendo negado pelas distribuidoras, mesmo quando tecnicamente viável”, criticou Rubim. Para ela, isso configura um bloqueio sistemático à expansão da energia solar no Brasil.

Perspectiva técnica e política

Fernando Silva, gerente executivo de Planejamento Elétrico do ONS, ponderou que o fluxo reverso, embora não seja um problema generalizado, já alcança limites operacionais em determinadas regiões. “Em alguns estados, estamos muito próximos de sobrecargas, seja em condição normal ou em cenários de contingência”, explicou.

O deputado federal Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), autor do requerimento da audiência, endossou as críticas à Aneel e defendeu um caminho consensual. “O que vemos é um verdadeiro delírio regulatório. Precisamos de uma solução ganha-ganha que equilibre os interesses de consumidores, empreendedores e distribuidoras, sem travar o avanço da geração distribuída”, declarou.

Segundo Andrada, a Lei 14.300/2022, que instituiu o marco legal da geração distribuída, completa três anos sem que a integração entre os agentes do setor tenha sido pacificada. A ausência de regras claras e equânimes estaria alimentando insegurança jurídica e desestimulando investimentos.

Expansão acelerada

Atualmente, o Brasil conta com mais de 3,5 milhões de unidades consumidoras com geração própria de energia, totalizando 39 gigawatts (GW) de potência instalada — o equivalente a quase três usinas de Itaipu. O avanço é expressivo, mas as barreiras técnicas e regulatórias ameaçam frear o ritmo de crescimento.

Especialistas apontam que a solução para o impasse passa por modernizações na rede, investimentos em tecnologia e interoperabilidade entre sistemas. Também é necessário aprimorar os instrumentos regulatórios de forma a garantir previsibilidade, justiça tarifária e incentivo à transição energética.

Enquanto isso, o setor aguarda novos avanços no Congresso e no Executivo para viabilizar o acesso democrático à energia limpa, sustentável e descentralizada, sem comprometer a confiabilidade do sistema nacional.

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