Fiscalização detecta erosões, resíduos irregulares e impactos a comunidades rurais em projeto de 590 km; empresa deverá prestar esclarecimentos e pode ser responsabilizada
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) identificou irregularidades ambientais em uma linha de transmissão de energia elétrica que percorre cerca de 590 quilômetros entre os estados da Bahia, Minas Gerais e Espírito Santo. A vistoria, realizada em março deste ano, avaliou o cumprimento das exigências legais relacionadas ao licenciamento ambiental do empreendimento, que interliga as subestações Poções III – Medeiros Neto II – João Neiva 2, em tensão de 500 kV.
A vistoria teve como foco verificar o cumprimento das condicionantes da Licença de Instalação (LI), da Autorização de Supressão de Vegetação (ASV) e da Autorização de Captura, Coleta e Transporte de Material Biológico (Abio), documentos exigidos no processo de licenciamento ambiental federal. A inspeção envolveu a ampliação da Subestação João Neiva 2, quatro canteiros de obras no Espírito Santo e oito trechos da linha de transmissão.
Denúncia de impacto à comunidade rural
Durante a operação, uma denúncia apresentada em audiência pública motivou uma vistoria específica no município de João Neiva (ES). Segundo moradores da comunidade rural Cavalinho, a captação de água local vinha sendo comprometida por sedimentos carregados pelo escoamento superficial, supostamente causados por falhas no controle ambiental próximo ao acesso de uma torre da linha.
A vistoria contou com a presença de representantes do Ibama, da Prefeitura de João Neiva, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e do Serviço Autônomo de Água e Esgoto. Um morador da região também acompanhou os trabalhos.
Diante da denúncia, o órgão ambiental federal determinou que os responsáveis pelo empreendimento prestem esclarecimentos formais. Os dados obtidos serão analisados para identificar possíveis infrações administrativas contra o meio ambiente, passíveis de sanção.
Uso de drones revela falhas graves
A equipe de fiscalização utilizou uma Aeronave Remotamente Pilotada (RPA), recurso já incorporado às práticas da Diretoria de Licenciamento Ambiental (Dilic) do Ibama. O uso da tecnologia permitiu registrar imagens aéreas de locais de difícil acesso, como terrenos acidentados entre torres, reforçando a eficácia do processo de fiscalização ambiental.
Com as imagens captadas, foram identificadas irregularidades em canteiros de obras e praças de torre, locais destinados à instalação das estruturas metálicas que sustentam os cabos de energia. As principais não conformidades apontadas incluem:
- Ausência de controle de gramíneas em pátios de estocagem de materiais, aumentando o risco de incêndios;
- Acúmulo e abandono de resíduos sólidos em áreas sensíveis;
- Disposição inadequada de material lenhoso proveniente da supressão de vegetação nativa;
- Processos erosivos ativos, que ameaçam a estabilidade do solo e a qualidade dos corpos hídricos nas imediações.
Relacionamento com a comunidade sob questionamento
Além dos aspectos técnicos, a equipe do Ibama ouviu queixas da população local sobre o relacionamento dos representantes do empreendimento com os moradores da área de influência direta. Entre os relatos estão a falta de diálogo adequado, pouca transparência nas ações de mitigação de impactos e dificuldade no acesso a informações ambientais relacionadas à obra.
Embora o nome da empresa responsável pela execução do projeto não tenha sido divulgado no release oficial, o caso levanta um alerta para a necessidade de maior comprometimento social e ambiental das concessionárias do setor elétrico, especialmente em projetos que atravessam áreas rurais e de relevância ecológica.
Próximos passos
Com base nas informações coletadas, o Ibama seguirá com a análise técnica para apurar a existência de descumprimentos legais relacionados ao licenciamento ambiental. Se confirmadas as infrações, os responsáveis poderão ser autuados, além de obrigados a adotar medidas de correção e mitigação imediatas.
A vistoria reforça o papel do Ibama como órgão fiscalizador da conformidade socioambiental de empreendimentos do setor elétrico — especialmente em tempos em que cresce a demanda por soluções energéticas sustentáveis e responsáveis.
Projetos de infraestrutura de grande porte, como linhas de transmissão, devem aliar viabilidade técnica, compromisso ambiental e respeito às comunidades afetadas. O caso da LT 500 kV Poções III – João Neiva 2 reacende o debate sobre os desafios e as responsabilidades do setor na construção de um modelo energético verdadeiramente sustentável.