Suspensão do leilão é vista como oportunidade para reavaliar diretrizes e construir um modelo mais justo e eficiente
O recente anúncio da suspensão do leilão de reserva de capacidade na forma de potência, inicialmente previsto para junho, foi bem recebido por representantes do setor elétrico que vêm alertando para os riscos de decisões precipitadas. Entre eles, destaca-se a Associação Nacional dos Consumidores de Energia (ANACE), que considera a pausa uma oportunidade essencial para rever critérios, corrigir distorções e colocar os interesses do consumidor no centro das decisões.
A decisão do Ministério de Minas e Energia (MME) ocorre em meio a disputas judiciais e críticas quanto à condução do processo, especialmente no que diz respeito ao foco excessivo na contratação de usinas termelétricas a gás natural, uma escolha considerada contraditória com o atual estágio de transformação da matriz elétrica brasileira, fortemente impulsionada pela expansão da energia solar fotovoltaica.
“A contratação de potência é importante, sim, principalmente diante do desafio técnico representado pela variação acentuada da carga no fim da tarde, quando cerca de 40 GW de geração solar deixam de operar quase simultaneamente. Mas precisamos avaliar se a resposta está mesmo em aumentar o peso das fontes térmicas, que estão entre as mais caras do sistema, ou se há soluções mais eficientes e menos onerosas para o consumidor”, alerta Carlos Faria, diretor-presidente da ANACE.
Geração térmica e seus custos: um dilema regulatório
O cerne da discussão gira em torno da alocação eficiente de custos e riscos no setor elétrico. Com o aumento da intermitência trazido pelas fontes renováveis, como solar e eólica, há, de fato, uma necessidade de capacidade firme para garantir a estabilidade do fornecimento. No entanto, a ANACE chama atenção para o risco de se optar por soluções emergenciais que, no médio e longo prazo, comprometam a modicidade tarifária — um princípio fundamental da política energética nacional.
Segundo Faria, a escolha por usinas térmicas, que demandam altos investimentos e operam com custos variáveis elevados, precisa ser cuidadosamente justificada. “Fazer o leilão é fundamental para equacionarmos parcialmente um problema real, mas não podemos correr o risco de gerar encargos ainda mais elevados para os consumidores”, reforça.
Reforma do setor: mais que ajustes, é preciso repensar o modelo
Além da reorganização do leilão, a ANACE defende que a recente formação de um grupo de trabalho para discutir a reforma do setor elétrico brasileiro seja aproveitada como um momento para debates mais estruturantes. A entidade considera essencial que o processo não se limite a ajustes pontuais ou ‘remendos regulatórios’, mas que seja conduzido com transparência e participação ampla de todos os agentes setoriais e da sociedade civil.
“Apenas com um processo participativo poderemos corrigir distorções históricas do modelo e construir um setor mais equilibrado, sustentável e justo para todos os consumidores”, destaca Mariana Amim, diretora de Assuntos Técnicos e Regulatórios da ANACE.
Nesse contexto, a alocação correta dos riscos é vista como um dos pilares para o sucesso da reforma. “É fundamental que os riscos sejam atribuídos a quem de fato pode gerenciá-los. Só assim poderemos rever os diversos encargos setoriais embutidos nas tarifas e avançar em direção à verdadeira modicidade tarifária e de custos”, explica Amim.
Caminho para o futuro: eficiência, participação e transparência
A ANACE reitera seu compromisso em participar ativamente das discussões que envolvem a modernização do setor elétrico, defendendo os interesses dos consumidores livres e cativos. A associação acredita que, com planejamento técnico, abertura ao diálogo e foco na sustentabilidade econômica do sistema, será possível equilibrar segurança energética, avanço das fontes renováveis e preços justos.
Nesse sentido, o novo modelo de leilão de potência deve incorporar métricas mais abrangentes de eficiência e custo-benefício, levando em conta não apenas a capacidade instalada das usinas, mas também sua flexibilidade operacional, impacto ambiental e custo total para o sistema.
A decisão de suspender o leilão de junho pode ter evitado um erro estratégico com consequências financeiras duradouras. Agora, cabe ao governo e aos demais atores do setor aproveitarem o momento para avançar com responsabilidade e visão de longo prazo, em direção a um setor elétrico mais transparente, competitivo e centrado no consumidor.