Com demanda crescente por energia limpa, setor nuclear se prepara para dobrar capacidade até 2050, mas enfrenta desafios financeiros e logísticos
A energia nuclear está prestes a viver um novo ciclo de crescimento mundial. Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a capacidade instalada global pode mais que dobrar até 2050, saltando de 371 GW(e) registrados em 2022 para 890 GW(e). O protagonismo dessa expansão será dos grandes reatores de alta capacidade, enquanto os pequenos reatores modulares (SMRs) avançam de forma mais cautelosa.
O aumento expressivo da geração nuclear faz parte da estratégia global de redução de emissões de carbono, como destacado durante a COP28, onde a energia atômica foi reconhecida como peça fundamental na transição energética. No entanto, alcançar essa meta exigirá investimentos robustos, estratégias de financiamento e um esforço global para capacitar mão de obra qualificada.
O protagonismo dos grandes reatores
Historicamente, a indústria nuclear tem sido liderada por reatores de grande porte, com capacidades entre 1 GW e 1,7 GW. Essas usinas, amplamente utilizadas desde o século XX, continuam sendo a espinha dorsal do setor e são vistas como a opção mais viável para países que já possuem infraestrutura nuclear.
A AIEA estima que, dos 519 GW(e) de capacidade adicional projetados até 2050, apenas 10% virão dos SMRs, sendo a maior parte composta por grandes reatores resfriados a água. Países como China, Rússia, Coreia do Sul e Emirados Árabes Unidos continuam investindo fortemente nesse modelo, com cronogramas de construção cumpridos dentro do prazo e orçamento planejado.
A China, por exemplo, tem planos ambiciosos de expandir sua capacidade nuclear em oito vezes até 2060, atingindo 400 GW(e). A Polônia, que busca implantar a energia nuclear até meados da década de 2030, pretende adicionar entre 6 GW e 9 GW(e), priorizando reatores de alta capacidade.
Apesar dos desafios enfrentados por países ocidentais, onde a construção de novas usinas ficou estagnada por décadas, a experiência de nações que mantiveram um fluxo contínuo de projetos tem sido crucial para reduzir custos e otimizar prazos.
Pequenos Reatores Modulares (SMRs): papel complementar e desafios
Embora ainda representem uma pequena fração da nova capacidade projetada, os SMRs são apontados como uma solução promissora para demandas específicas. Esses reatores compactos, com potência inferior a 300 MW, são ideais para áreas remotas, operações industriais e aplicações como dessalinização de água e produção de hidrogênio.
O maior obstáculo para a adoção em larga escala dos SMRs ainda é a falta de projetos operacionais e a necessidade de demonstração tecnológica. Modelos promissores já estão em desenvolvimento no Canadá, Estados Unidos, Reino Unido e China, mas a viabilidade comercial dessas usinas só poderá ser comprovada após testes extensivos e processos regulatórios bem estabelecidos.
A expectativa é que os SMRs complementem os grandes reatores, oferecendo mais flexibilidade e novas aplicações para a energia nuclear. No entanto, para a descarbonização global em larga escala, a aposta principal ainda recai sobre os projetos tradicionais de grande porte.
Desafios para a expansão nuclear
Para alcançar a meta de 20 GW(e) adicionais por ano até 2050, a indústria nuclear enfrenta desafios complexos, como:
- Alto custo de capital: O investimento inicial para a construção de reatores é elevado, tornando essencial o desenvolvimento de mecanismos de financiamento atrativos.
- Risco de atrasos e estouros de orçamento: Em países ocidentais, onde novas usinas ficaram décadas sem ser construídas, a retomada dos projetos tem sido marcada por dificuldades logísticas e falta de mão de obra qualificada.
- Capacitação de recursos humanos: A necessidade de engenheiros, técnicos e especialistas em construção nuclear é crescente, demandando programas de formação para garantir o avanço do setor.
Thierry Paillere, chefe da seção de planejamento econômico da AIEA, destaca que a experiência da indústria nos anos 1970 e 1980 prova que a expansão acelerada é possível, mas exige um ambiente de estabilidade política e apoio governamental.
“Naquela época, países como França, Japão e EUA lideraram um crescimento massivo da energia nuclear. Hoje, com a China e a Rússia à frente, há uma estrutura industrial capaz de sustentar esse avanço, mas será necessário um compromisso global para remover barreiras financeiras e regulatórias”, analisa Paillere.
Perspectivas futuras e apoio político
A transição para uma matriz energética descarbonizada depende de um forte apoio político e regulatório para viabilizar novos investimentos nucleares. A COP28 marcou um passo importante nesse sentido, com a inclusão formal da energia nuclear no Global Stocktake, um relatório que avalia o progresso das nações no combate às mudanças climáticas.
Governos ao redor do mundo precisarão definir políticas de incentivo e garantir que os investidores enxerguem a energia nuclear como uma alternativa segura e rentável. Além disso, o desenvolvimento dos SMRs poderá abrir novos mercados e oferecer soluções mais flexíveis para países que ainda não possuem infraestrutura nuclear.
Se os desafios forem superados, a energia nuclear pode se consolidar como a principal fonte de eletricidade livre de carbono nas próximas décadas, proporcionando segurança energética e estabilidade para redes elétricas em todo o mundo.
Com grandes reatores liderando a expansão e SMRs avançando gradativamente, a tecnologia nuclear se torna cada vez mais essencial para alcançar as metas globais de emissão zero e garantir um futuro sustentável.