Especialistas alertam que a contratação de térmicas não resolve desequilíbrios estruturais do sistema elétrico brasileiro e pode elevar custos para consumidores
O Leilão de Reserva de Capacidade na forma de Potência (LRCAP), marcado para junho deste ano, reacendeu debates sobre os rumos do setor elétrico brasileiro. A recente possibilidade de contratação de usinas térmicas existentes para atender à demanda de potência a partir de 2028 é vista por especialistas como uma solução parcial e paliativa, que não aborda as raízes dos desequilíbrios no sistema elétrico.
Para o diretor-presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (ANACE), Carlos Faria, o modelo atual de leilões e a insistência na expansão de térmicas são inadequados em um contexto de crescimento exponencial da energia solar. “Não faz sentido o país continuar aumentando a participação de fontes térmicas no parque gerador devido ao crescimento da solar”, afirma Faria.
A contratação de potência no LRCAP é justificada principalmente pelo aumento do pico de consumo no final da tarde, causado pela saída simultânea das usinas solares do sistema. No entanto, para a ANACE, esse problema é um sintoma de desequilíbrios estruturais que requerem uma revisão ampla, e não ajustes pontuais.
O Impacto da Contratação de Térmicas
As usinas térmicas, geralmente mais caras e poluentes, estão entre as principais preocupações do setor. Embora a possibilidade de incluir térmicas existentes no certame possa oferecer algum alívio à falta de capacidade no curto prazo, ela também traz custos elevados que recaem sobre os consumidores.
“A contratação de potência por meio de térmicas pode resolver parcialmente um problema, mas à custa de gerar mais despesas para os consumidores”, destaca Faria. Ele argumenta que essas soluções temporárias perpetuam uma dinâmica de “remendos” no setor elétrico, sem resolver de fato os desequilíbrios estruturais.
Por Que o Pico de Consumo É um Problema?
O crescimento da energia solar no Brasil trouxe desafios para o sistema elétrico, especialmente no gerenciamento do pico de consumo. Durante o final da tarde, quando a geração solar reduz drasticamente, o consumo residencial e comercial atinge níveis elevados, pressionando a rede elétrica.
Essa lacuna precisa ser preenchida com fontes flexíveis de geração, como hidrelétricas com reservatórios, baterias ou térmicas. No entanto, a falta de planejamento estratégico tem levado a soluções que nem sempre são as mais econômicas ou sustentáveis.
Faria ressalta que a expansão das fontes renováveis, especialmente solar e eólica, exige um sistema mais dinâmico e equilibrado. “O aumento do pico de consumo no final da tarde é uma consequência direta do crescimento da solar. Isso precisa ser tratado com medidas estruturais e planejadas, não com soluções pontuais e onerosas para o consumidor”, avalia.
Revisão Necessária no Sistema
A ANACE defende que o setor elétrico passe por uma revisão ampla para adaptar-se às transformações do mercado. Essa reavaliação deve incluir melhorias no planejamento da matriz energética, integração de novas tecnologias e soluções para equilibrar custos e sustentabilidade.
Para o especialista, a insistência em leilões que priorizam fontes térmicas pode atrasar a modernização do setor. “O setor elétrico brasileiro precisa de um plano estratégico para lidar com o crescimento das renováveis, e não de medidas paliativas. Continuar assim é prolongar ineficiências e penalizar consumidores com tarifas mais altas”, critica Faria.
Perspectivas para o LRCAP de Junho
O próximo LRCAP será o segundo leilão do tipo no Brasil e busca aumentar a confiabilidade do sistema elétrico. Ele também visa oferecer contratos de potência com prazos de até 15 anos para novas usinas e de 10 anos para térmicas existentes.
Apesar disso, as críticas levantadas pela ANACE apontam que o certame, nos moldes atuais, não resolve os desafios fundamentais do setor. O crescimento do mercado livre de energia, a descentralização da geração e a digitalização da rede são temas que precisam ser considerados em uma reforma abrangente.
Conclusão
O LRCAP de junho será um marco importante, mas o debate sobre o futuro do setor elétrico vai muito além de um único certame. Com as tarifas de energia em alta e a necessidade urgente de modernização, especialistas como Carlos Faria alertam que o Brasil não pode mais adiar mudanças estruturais. “O setor elétrico não pode continuar funcionando por meio de remendos. É hora de um planejamento estratégico que beneficie o consumidor e garanta um sistema sustentável e eficiente”, conclui Faria.